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Mostrando postagens de fevereiro, 2013

Lugar nenhum.

O homem espera sentado na estação de trem. Seus pés batem repetidamente contra o chão, sem qualquer ritmo. Ninguém acreditaria que aquele era o mesmo homem que de manhã apresentava tamanha calma. Ao telefone, disse, silenciosamente, que a viagem não importava. Gostaria de vê-la. No entanto, a calma deveria pregar o acordo sobre aquele encontro. Parece impossível. Reunir os dois homens em só uma pessoa.              Quando ele acordou, resolveu limpar o apartamento. Tomou cuidado com quais CDs deixar tocando no som. Preocupou-se com a limpeza da cada canto e superfície. Comprou ingredientes para fazer a receita mais difícil que sabia. Preparou-se com um banho. Decorou músicas no violão. Reviu o apartamento. Ele estava em frangalhos, um pouco desesperado e ansioso. Quanto tempo não fazia que ele esperava por aquele exato momento. Em que a porta do apartamento finalmente fosse aberta para alguém que ele queria receber. Seus pensamentos eram confusos, e seu pé não parava de bater inv

O suicídio de Seymour Glass.

Uma homenagem ao conto "Um dia perfeito para peixe-banana": Não me peça para ser feliz. Foram as palavras que ficaram incrustadas na sua garganta. Seja feliz. O conjunto de duas palavras mais detestado de toda língua portuguesa. A escolha abismal entre um pobre verbo e um adjetivo. O que ele pensava sentado naquela banheira era fora da minha consideração. O revólver apontado para a sua cabeça. O silencioso dilacerar dos pingos de água caindo sobre seu corpo. Seja feliz. Uma variação do nosso famoso: fique bem. Ganhe felicidade.        Duas pílulas na mão. A primeira te leva até o buraco do coelho. Até as extensões do seu organismo e consciência. Leva-te ao lugar de total e completo esquecimento. A segunda anestesia seus sentimentos, e lhe provém uma falsa felicidade. As duas são fugazes, no entanto uma é prescrita, a outra é ilegal. O buraco de toda subconsciência circulado pelas intemperanças da sua destruição. Vamos, disse o gato laranja, cuidado onde está pisando.

Nude.

Uma despedida final: silenciosa, irreversível e tristonha. Se eu pudesse explicar como me sinto ao menos uma vez. Os sentimentos parecem incoerentes: tudo de ruim que já passei se acumula em um lugar sombrio onde as lembranças se confundem. Ao menos, devo tentar superar o que foi passado. Separar em pequenos compartimentos, e reparar por um total e oco silêncio. Juntar os pedaços e formar um eu retomado de lembranças que não nos matem; não tirem nossos pedaços. Você não podia ter tido grandes idéias, porque elas não aconteceriam. Repita o mantra. Acrescente os refrões, o verso e a melodia. Corrija a voz. De novo. Repita o processo. Mais uma vez. Não faz bem. Calem-se. Continue. Ignore as vozes. Elas fazem barulho demais no lugar do mais vazio e completo silêncio.              Existe um sonho repetitivo nos arquivos ocidentais: a nudez frente ao público. Seu corpo exposto perante alguém que você nem ao menos conhece. A placidez falsa de alguém tomada de surpresa. A calma ilusória

Tatuagem.

-O que te assusta tanto? -O esquecimento. -Para com essa frescura. -Olha. -O que? -Se a pessoa que eu mais gostei, e que achava que mais conhecia é um total mistério para mim. Se mesmo essa pessoa, eu nunca mais vou ver. Escutar. Falar. -E daí? -Então qual a garantia que eu tenho sobre qualquer coisa? -Você não tem. -Muito animador. -Digo. Você tem certeza de muitas coisas. Primeiro, outras pessoas existem. Não importa o quanto sado-masoquista você seja. Outras pessoas legais existem no mundo. -Existem, mas o que eu queria dizer é que, bem, não dá para fugir do total desconhecimento. -Isso não faz sentido. -Lógico que faz. Veja bem: se tudo é esquecido, logo porque as coisas têm que ao menos começar. Uma boa razão. -Felicidade.              Ele riu alto. -Para de rir. Eu to falando sério. -O que diabos significa essa palavra? -Significa você menos mal humorado. -Você já viu isso acontecendo? -Já, duas vez

Lobo na porta.

Você tem que parar. Agora. Ele continua o mesmo movimento repetitivo. Isso está indo longe demais. Seguram meu braço. De novo. Pare. Não se preocupe, eu entendo meus limites. Homens tatuados e fortes, com instrumentos musicais no colo, viam com conivência, o menino que começou a pegar as drogas. Uma por uma. Sem distinção. Ele começou a se entorpecer. Seus sentidos se desvaneciam, enquanto seus olhos perdiam a visão. Ele não conseguia mais escutar. Segurem esse garoto. A sensação era de tomada de poder. Estou entorpecido o suficiente para não lembrar. Isso é um tipo de penitência. Os padres do cristianismo primitivo colocavam uma imposição sobre si mesmo; uma marca do seu pecado. Passavam dias sem comer, sem dormir e sem conversar. Sinais de um ascetismo antigo que tinha sido deturpado pelo cristianismo. Os gregos já faziam isso. Monges orientais tinham costume sobre tal prática.             Infelizmente, a religião nunca deu ao menino mais do que uma forma de organizar seus pensame