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Mostrando postagens de maio, 2013

Folha em branco.

             O homem sentou-se à mesa do advogando esperando os papéis assinados do divórcio. Lentamente, começou a elaborar os últimos anos da sua vida desejando que tudo pudesse ser reescrito. Ele não entendeu quando aquilo aconteceu: a pessoa com quem ele convivia todos os dias não sabia nem ao menos seu estado mental. Ela não sabia que fazia anos que sua mente não era à mesma, ele não sabia mais organizar os lampejos de sanidade que lhe eram dados. Sorria entendendo que não haveria volta, mas mesmo assim se colocou a escrever um papel impossível.              Quis primeiro criar um papel branco em que houvesse um começo e um fim. Sem nenhuma incoerência ou falha lógica; círculos perfeitos de beleza. Uma harmonia tão grande de forma que se decompõe em risos de crianças alegres no parque. Uma frase tão simples que poderia deixar bobo o mais experiente dos poetas. Sabia de cor todos os pontos finais que havia colocado na sua vida: ele foi o mestre da lógica e ninguém nunca viu

Bolhas de sabão.

Era como se existisse uma bolha. Crianças brincando com sabão num belo domingo de sol. Sorrisos esboçados no barulho de bolhas de sabão explodindo. Pais felizes de contemplar seu futuro e passado no rosto de seus filhos. Era assim que eu me sentia anos atrás, quando ela disse que iria embora. Foi como se alguém tivesse me roubado a minha mais terna e antiga lembrança. O dia em que nós nos reuníamos para contar nossos problemas, e brincar com nossos filhos. Era como se ela pudesse me roubar à única coisa que me restaria após sua saída. Quando ela foi embora foi como se uma bolha explodisse. Uma imensa e plástica bolha condensada na minha pele que tivesse me impedido de ir embora. A única ligação que eu mantinha com a realidade fora cortada, e eu poderia viver em algum lugar longe da humanidade. Foi assim que eu me senti quando ela disse que nunca mais voltaria. Levou seus CDs e livros em uma caixa antiga. Não deixou telefone para contato. Retirou seus sorrisos e o café requentado

Alice no País dos Alucinógenos.

             Ele sabia que deveria estar dormindo. Olhou para as paredes mais uma vez. Desde o acidente, não havia sido o mesmo. Não podia fazer sexo, andar ou qualquer movimento normal como antes. Estava paralisado no medo que havia lhe impregnado o som do motorista falhando. Sua irmã passava a mão na sua cabeça. Eu sei o que vocês vão dizer, eu estou bem. Não estou. Não posso estar. Lembrava-se do penhasco e sabia que o caminho até embaixo seria curto e assustador. Procurou se concentrar em suas lembranças, e não tão somente nos seus pesadelos. Sorriu.              Seus amigos haviam desistido da sua volta do coma. Quando ele voltou foi como se o mundo houvesse apagado sua memória. Não havia nenhuma namorada esperando; essa já havia noivado. Seus amigos haviam se perdido. Ele começou a respirar fundo no primeiro dia da sua vida inteira.             Um velho mendigo pegou-o pelo braço: -Sabe, garoto. -O que? -Esse mundo, ele gira. -O que você está dizendo?

Charles Bukowski.

            Quando Bukowski teve que escolher o que estaria escrito em sua lápide, teve que tirar um longo momento do seu dia. Quando digo essas palavras, espero que vocês tenham em mente a vida errante que ele teve. O álcool e as drogas, dormir em praças públicas e seu amor pelos encontros inesperados. Ele morria de medo de multidões, queria que o deixassem em paz. Preferia a companhia de uma bebida e sua própria solidão, mordendo suas beiradas em noites sem fim. Sem ilusões sobre quem ele era, ou o que haveria depois. Foi isso que ele pensou que deveria estar escrito na sua lapide. Escreveu, lentamente, não tente. Não tente. Não tente. Não tente. Duas palavras para resumir uma vida inteira, e consigo ver o copo de uísque sendo erguido com um sorriso torto. Um riso irônico frente sua insuficiência; sua fraqueza. Sua infindável vontade que o deixassem sozinho num mundo em que as regras lhe pareciam intoleráveis.             Um terno preto, e uma camiseta social azul. Ele estava sen