Alice no País dos Alucinógenos.
Ele sabia que deveria estar
dormindo. Olhou para as paredes mais uma vez. Desde o acidente, não havia sido
o mesmo. Não podia fazer sexo, andar ou qualquer movimento normal como antes.
Estava paralisado no medo que havia lhe impregnado o som do motorista falhando.
Sua irmã passava a mão na sua cabeça. Eu sei o que vocês vão dizer, eu estou
bem. Não estou. Não posso estar. Lembrava-se do penhasco e sabia que o caminho
até embaixo seria curto e assustador. Procurou se concentrar em suas
lembranças, e não tão somente nos seus pesadelos. Sorriu.
Seus amigos haviam desistido da sua
volta do coma. Quando ele voltou foi como se o mundo houvesse apagado sua memória.
Não havia nenhuma namorada esperando; essa já havia noivado. Seus amigos haviam
se perdido. Ele começou a respirar fundo no primeiro dia da sua vida inteira.
Um velho mendigo pegou-o pelo braço:
-Sabe,
garoto.
-O
que?
-Esse
mundo, ele gira.
-O
que você está dizendo?
-Você
precisa levantar.- O velho segurou insistentemente seu braço.
-Não
preciso fazer nada.
-Absurdamente
ao contrário, você precisa fazer tudo.
Naquele momento, o velho enfiou uma
faca na sua barriga. Ele sabia que estava fadado ao fracasso. Se ao menos, ele
soubesse. O sangue começou a sair das suas veias em articulações alucinógenas de
realidade presa. Ele precisava lembrar-se de quem era, para poder dizer quem
poderia haver de ser. Seu nome estava inscrito nas suas costas, mas ele nunca
haveria de ter a decência de olhar num espelho.
Um professor sorria na sua prova e
lhe perguntava a resposta:
-Não
tem uma resposta.
-Isso
é uma contradição.
-Esse
é o ponto.
-O
que?
-Somos
uma contradição. Se você espera que eu te dê uma resposta em uma prova sobre a
matéria de como viver sua vida, estamos errados.
-Isso
é uma fuga.
-A
vida é uma porra de fuga. Toma sua coragem e segura sua bandagem de emoções e
fortalezas inseguras de teorias irrealizáveis.
-Se
elas existem, elas já agem.
-Não.
Se elas matam, elas já agem. Se elas perfuram a porra do seu crânio, elas agem.
Escute o que lhe digo, teorias são a morte do pensamento.
-Suponho
que você esteja torcendo pelo time do novo mundo.
-Não
existe novo mundo. Só uma fraca repetição das mesmas piadas. Ria. Ria. Ria.
Essa é minha resposta a sua questão.
Ninguém entende o que aconteceu, e o
garoto sai andando. O ferimento da faca começa a cicatrizar, enquanto ele anda
em uma imensa festa. As cenas na sua cabeça parecem a mesma repetição de
efeitos visuais ruins. Quadros sem referências externas, e contumazes dizeres.
Ele pensa que está escapando do buraco onde se meteu: se ele pudesse escrever
uma história ao contrário, ele impediria todos os contra-movimentos. Se o
movimento do perfeito fosse impossível, se a ordem não voltasse à ordem. Uma
transgressão final que mata todo mundo que não tocasse na sua pele. Toda
expressão que não enfiasse uma bala no seu crânio e esfolasse sua pele enquanto
seu ar é tomado do seu pulmão.
Ela sorria:
-Isso.
Que você está fazendo. É bonitinho.
-O
que?
-Querer
que eu seja seu gato laranja com listas pretas.
-Você
é minha Alice.
Ela colocou duas pílulas sob a sua
boca. Escolha se você quer ver o mundo ou se esconder na sua caverna. Escolha.
Escolha. Escolha.
Desde o acidente, ele não podia
fazer sexo. Seu médico havia lhe dito que o comportamento da sua disfunção
seria imprevisível. Ele havia dito que era o inferno. Ele precisava tomar
controle da sua vida de novo. Uma vez. Duas vezes. Três vezes. Os gritos se corpos
se mexendo juntos. O roçar de duas pernas com outras duas penas num vai-e-vem
metafórico ideal. Se ele pudesse ver a si mesmo, poderia refazer sua imaginação
para o ponto zero em que sua imaginação fosse capaz de reconstruir o universo
inteiro.
A menina gritava e gozava enquanto
ele se agarrava com força na cama. Sua doença não haveria de derrotá-lo. É como
se houvesse uma grande massa negra em seu centro, e que ele tivesse que se
recompor contra aquele movimento sua vida inteira. Ele seria capaz de
equilibrar-se em trocar de um pouco de existência. Eu troco minha alma por um
pouco de existência. De um tiro bem dado na têmpora direita por um gato laranja
com listras pretas de um especial da Disney antigo. Alice correndo em meus
braços e gritando de orgasmo no instante em que as resoluções parecem lixo.
Um belo anarquista mandou uma carta
ao homem que queria salvar o mundo: Olha bem, se você quer que eu escreva com
você. Devemos eliminar a sociedade opressora. No entanto, não devemos colocar
outra em seu lugar. Não quero ser profeta de uma multidão que segue um homem.
Não quero que uma doutrina limite o que as pessoas devem pensar. Quero colocar
um abre alas em toda cabeça, e quero que todo homem se respeite como homem.
Quero que nós levemos a perfeição humana. Os escravos morreram, e não seremos
nós que recuperaremos seu status. Eles, mesmos, têm a capacidade de se
levantar. Já é hora de alguém se levantar contra toda essa masturbação de impor
pensamento na cabeça de homens que já pensam. Não se iluda. Não quero ser um doutrinário,
só quero a liberdade.
Em 1880, a resposta foi violência. O
homem que recebeu a carta não entendeu a mensagem, e começou a escrever contra
esse monstro. Ele não poderia permitir a morte de pessoas na luta serem
justificadas por um principio que não fosse cientifico. Eu quero que os homens
morram por algo. Se eu matei deus, eu tenho que virar a nova divindade. Se ao
menos ele tivesse entendido a carta, e seu significado. Saberíamos que a
doutrina de todos é uma doutrina de um homem solitário perdido em uma
biblioteca qualquer de pensamentos incoerentes.
A primeira coisa que ele fez quando
a viu foi sorrir. Não somente sorrir, mas abrir seus dentes em direção. A forma
com que ele fez sexo com ela no banheiro foi ridícula. O jeito desajeitado das
suas mãos enquanto gritos imprestáveis giravam no seu ouvido. Seu ódio inteiro
deslocado em um sentido de força. Ela sorriu e pergunto se ele voltaria a amá-la.
A contradição, meu caro professor. Não. Nunca mais.
Ele decidiu que escreveria um manifesto sobre sua própria alma, mesmo que não acreditasse mais na existência da sua. Nas primeiras páginas ensinaria encarecidamente como não deveríamos amar. Conceber um mundo sem seu ego constantemente masturbado seria a primeira página das suas considerações. A segunda seria sobre um corajoso anarquista que foi contra o teórico mais poderoso do seu tempo. Em seguida, ele descreveria lentamente sua vida de tempo desperdiçado em infernos particulares de gritos. Não preciso sair de casa, pois seus gritos internos já são suficientes para arrombar um castelo em tempos de revolução. Ele disse que estava bem, mas agora ele estava falando sério porque sabia que não havia nenhum depois. Nenhum futuro melhor em que a vontade de se matar sumiria ou seus sonhos se realizariam. Ele estava bem, porque acreditava, veementemente, na irrealização de tudo que queria. Sabendo de tudo isso, ele tomou controle da sua vida. Derrotou sua doença. E se jogou do abismo, sabendo que nunca haveria de chegar no fundo dos rochedos daquele mar interminável que constituía o mito do eterno retorno.
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