Separações.
Conseguia escutar o som, ou melhor,
a falta dele. Era como se a solidão invadisse cada metro quadrado, livros
jogados ao acaso, fora da ordem, gritos surdos, vidas perdidas. O silêncio é
uma forma que encontramos de fugir de quem nós somos. O barulho, a confusão e a
baderna definem nossos sistemas sociais. Vivemos num mundo em quem fala mais
alto, é escutado. Existe uma revolução no meu tipo de silêncio, ele é uma prece
contra o barulho. Todo grito é uma forma de não querer morrer. Eu estava
sentado, vendo uma flor morrer, aos poucos, quando ele me perguntou o que havia
acontecido.
Sempre comece um novo parágrafo,
explicando algo novo, disse meu professor de escrita. Entretenha o leitor com
algo fácil, talvez um fato chocante. Ela estava sorrindo, ou, era assim que ele
gostaria de imaginar. Se sua fuga havia sido inteligente, eu nunca haveria de
saber. Ela colocou algumas roupas na mala, retirou a maquiagem da bancada e
desfez os votos que fizemos sem saber. Que o dia era cansativo. Que o amor
também acaba e, ocasionalmente, ele evapora. A água do chá se decompõe assim
como os gritos que ela solta, evadindo suas cordas vocais, silenciosamente, e
eu já espero não poder mais escutar.
Depois de tirar sua mala, e colocar
suas duas camisetas, alguns livros e poucas lembranças que guardava, ela foi
embora. Sem dizer nada, com o vento levantando seu vestido, de uma forma cruel,
para um homem que gostaria de ter guardado uma imagem, que fosse, ao menos, um
instante. Mas ele não poderia se dar ao luxo, de desejar algo, tão besta, tão
ilusório, que fosse retirar sua sanidade. Somos todos bonecos de palha jogados
ao fogo. Era isso que eu pensei.
O silêncio veio aos poucos, não veio
de uma vez. Imagino que parei de escutar, por costume, ou, trauma. Não sei ao
certo. Um dia, eu já não conseguia ouvir o miado do meu gato e, no outro, eu já
não conseguia ouvir minha própria voz. Assim como toda sina, eu não liguei no
começo. Todo herói grego ignora seu destino no primeiro momento. No dia que ele
descobre, finalmente, sua inevitabilidade, ele desiste. Não é de uma vez. Ele
nem para de escutar com uma singela decisão. Os acontecimentos que importam na
nossa vida duram um momento, não mais que isso. Eles não se demoram, porque tem
vergonha dos efeitos que fazem sobre nossos olhos. De uma vez, eu não conseguia
mais escutar.
Eu acordei cedo e fiz o café. Não
quis pensar no que tinha acontecido. Desejei que ninguém viesse a minha casa.
Disse, a todos, que estava de greve. Empilhei as tarefas que havia adiado fazia
anos. Disse a mim mesmo que todo começo é um tipo de piada, daquelas que não
rimos, nem ao menos nos damos ao trabalho de sorrir. Se Deus existisse, ele,
com certeza, seria um piadista, alguém que sabe se divertir. Imagino-me sobre
as asas de uma ordem que eu nunca quis abraçar. Visto um terno, mas sem muita
convicção. Faço a barba, mas sem pensar sobre o que aquilo significa. Deixo os
gatos miando, porque não consigo escutar, nem um som. Um barulho me acorda e
desejo, finalmente, que seja o fim, mas sei, de novo, que a história nunca
acaba. O filme não para na metade. O livro não desiste na última página. Somos
seres, tristemente, insistentes. Citando um homem que teve mais do que
desejava, na vida real, não existem ateus, todos acreditam em alguma coisa. Na vida real, não existem ateus,
todos acreditam em alguma coisa. Na vida real, existem ateus, mas,
todos, acreditam em alguma coisa. Na vida real, existe a mim, mas,
ninguém, acredita em tudo.
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