Autor
Há
muito tempo, um homem sobreviveu a guerra, ou, poderíamos dizer que a guerra
sobreviveu nele. As primeiras páginas que vieram à sua mente foram as bombas
explodindo, a França pegando fogo. O sonho de todo soldado em acertar Hitler na
cabeça. Thomas passou anos escrevendo o mesmo livro, acreditava, piamente, que
a repetição pudesse salvar sua sanidade. Lia o rótulo dos produtos no seu
banheiro, escrevia no romance. Quando a fama veio, ele não conseguiu entender,
como possivelmente o mundo inteiro havia podido amar suas bizarrices. Lógico,
ele, rapidamente, aprendeu que o mundo havia tirado dele o que queria, sem nem
se importar com o que ele quis. Quando ele escrevia, repetia a si mesmo uma
pequena prece sobre quem ela era, havia um pedido desculpas pela confusão, ele
desejava abrir uma porta que há muito tempo havia fechado.
David respirava fundo, mas sabia que
não havia chance contra a depressão. O grande buraco com dentes havia tomado
conta do seu corpo: devagar, ele não se movia; sem respirar, ele continha uma
tristeza; não conseguia fazer sexo; não conseguia levantar da cama; David só
foi o forte o suficiente para pegar o romance que estava na estante, seu autor
nunca havia sido encontrado. Ele namorou, tempo o suficiente, a ideia de um
autor que nunca fosse descoberto, um homem escondido, na frente de todos, e que
pudesse, inocentemente, tirar a fonte de todo o barulho da sua cabeça. Foi isso
que ele imaginou quando pegou o romance pela primeira vez. A segunda vez, foi
uma repetição banal. Na terceira vez, ele se sentia um pouco melhor. Até a
décima, ele já conseguia levantar da cama, fazer algumas flexões e se mover.
O psiquiatra sorriu. A menina,
namorada de David, repetiu algumas palavras ininteligíveis: Sabe, doutor, eu
tenho um problema, talvez, dois problemas, lembro que espero alguém que me
abandonou, parece que estou na frente de uma grande porta, cinza, esperando o
dia que ele volte, de algum esconderijo sobre a terra, reclamando que nunca gostou
sol, mas sentiu falta da minha presença, eu levantava e explicava que sempre
amei os homens que nunca voltavam, mas ele havia voltado, por isso, finalmente,
quebraríamos o ciclo repetitivo, era isso que eu queria dizer, por favor,
entenda, amamos aquilo que está ausente, mas sabemos, intuitivamente, que
felicidade só está aqui na frente, cega, sem dizer muito, prestes a se
expressar.
Thomas lamentou a morte de David,
ele tinha a sensação de que ele era um filho que nunca havia conhecido. Se ao
menos o destino fosse mágico o suficiente, eles poderiam ter conversado num
café, pequeno, e fumado um pouco, depois da conversa, em que ambos chegavam à
um mutuo acordo: vamos destruir sistema, uma vez em silêncio, a outra por
literatura, não vamos nos suicidar, mas vamos matar àqueles que pensam que
estamos acabados, podemos escrever uma obra em conjunto, mudar nossos nomes,
fugir para uma ilha deserta, David, nós podemos viver.
Não foi assim, no entanto, que a
história aconteceu. Em algum lugar, pouco distante do café, um homem chutava um
banco. Tudo aconteceu rápido demais, o ar foi puxado, sem respeito, a morte
sempre é assustadora, Thomas podia ter lhe ensinado isso, na guerra, não haviam
mortes heroicas, todas as mortes eram nojentas, tiravam a possibilidade daquilo
que poderia se estender, indefinidamente, no tempo. O choro, da sua namorada,
foi gradual, crescendo em proporções assustadoras. No dia seguinte, alguém no
jornal diria que gênios tem que morrer, para que nos lembremos dos nossos
pecados, mas não era isso que David queria dizer, se alguma palavra ressoava
sobre sua boca, era uma simples prece de que a gente parasse de acreditar em
tudo, de levar tão à sério as coisas que, realmente, não importam.
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