Astronauta
O
dia que me mudei para Marte não foi estranho. Parecia que havia vivido naquele
lugar fazia anos. Lembro-me da sensação que veio-rápida, intransigente e seca-,
de um torpor que podia ser sentido na ponta dos meus dedos. Toquei na
superfície do planeta e percebi, anonimamente, que já não era mais ninguém. Foi
uma energia, ao invés de um planeta que sugeriu-me que havia tudo acabado. Não
agora. Nem neste exato instante. Em um longo tempo atrás, antes mesmo dos
dinossauros, algo veio e demoliu cada partícula, uma explosão que já continha
passado, presente e futuro, o dia em que eu fui para Marte, foi o dia mais
feliz da minha vida.
Relato de autor desconhecido
O termo memória nasce, pronto, como
um fracasso, ela faz parte da noção que algum dia já fomos capazes de
imobilizar um momento. Marco Aurélio disse que atentar contra o passado era uma
piada, não havia ninguém para escutar sua brincadeira.
O
homem pensava nisso, enquanto esticava seus dedos em direção ao controle
remoto. Havia uma bela mulher em cima do seu corpo, em um movimento,
descontrolado, e um pouco rápido demais para o seu gosto. Seu corpo inteiro
parecia tremer de desconhecimento. No ar do seu apartamento configurou-se uma
queda com a memória. Seu apartamento era fundado sob uma frase em grego na
porta, o tempo já não existe, e foi assim que ele criou uma vida.
Rotinas
são monstros. Eles têm rostos, braços e pernas, conseguem chegar até mesmo nos
seus olhos. Cada minuto do seu dia era contado, seu planejamento poderia ser
tido como a busca da perfeição. Toda a história da humanidade é baseada na
busca do perfeito, mesmo que se saiba, há tempo demais, que nasce-se do puro e
completo caos. Criam-se deuses, mitos e religiões para se esquecer esse pequeno
detalhe, nasce-se com um prazo de expiração.
Bons padres nunca conseguem o que
querem. Existe um homem chamado Augusto. Ele rezou para ter uma resposta para
suas crises espirituais. Num determinado momento, aprendeu que ele era salvo
pela sua fé. Não havia pensamento capaz de salvar. Nenhum resquício humanista,
somente uma sensação de plenitude. Trezentos anos de guerra foram baseados
nessa ideia- de que a salvação pessoal é a única saída para a felicidade. Por
outro lado, um alemão levantou os braços e disse que todos com tal ideia
deveriam ser mortos, mesmo que tais palavras tenham sido imaginadas na sua
própria mente.
Voltando para o apartamento, agora,
sinto que pode-se expressar melhor o acontecido. O tempo queria voltar a ser
normal, passar as horas, minutos e segundos. No entanto, o feitiço não poderia
ser quebrado, aquela placa na porta era um mau agouro. Quando ele havia nascido,
ele tinha pedido que pudesse controlar seu tempo de vida. Escutou com calma o
aviso do senhor do tempo, homens que controlam seu tempo, morrem antes do seu
fim. Mesmo assim, ele disse, seguro, que havia entendido. Estou indo para
marte.
Todos foram embora. As cortinas se
fecham. Não existe barulho. Escuta-se um ressoar calmo no assoalho, mas, mesmo
assim, não se dá credito ao som retirado do chão. Por alguns segundos, alguém
pensa ter escutado um ruído vindo do apartamento, mas eles, com certeza, não
conseguiam mais entender. No momento em que o tempo havia parado houve uma
cisão, radical, entre o que havia dentro do apartamento e o mundo afora. Houve
uma quebra, irrecuperável, de imaginações. Foi sob esse sinal que uma bela
profeta disse, certa vez, que deve-se fazer as pazes com seu passado, ou, viver
em um tempo, cindido, entre seu espaço e o resto do mundo. Foi isso que eu
pensei, quando encontrei o relato de marte. Eu e o astronauta éramos as mesmas
pessoas, por isso, consegui sentir, quando a nave quebrou, e ele não pode mais
voltar. Estive junto, durante a quebra do ar, o som do silêncio e o pânico
completo. Estive lá, até o final, em Marte, e foi o dia mais feliz da minha
vida.
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