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Mostrando postagens de janeiro, 2014

Você é romântico?

Ele esperou meses por aquele dia. Acordou cedo. Fez a barba. Limpou o apartamento. Lembrou-se de tudo que ela havia prometido, cantava suas palavras como se fossem sua música. Avisou ao porteiro que receberia alguém. Havia cozinhado dois pratos, difíceis, e colocado no fogão. Economizou o dinheiro que gastaria no táxi, porque não gostaria de se atrasar no ônibus. Ninguém seria capaz de adivinhar seu passado inconsequente a partir daquele dia. Ele era um homem em uma missão.              Seu apartamento minúsculo tinha ganhado cor: flores novas haviam sido compradas, a louça estava limpa, as garrafas de cerveja na lixeira, a cama com novos lençóis, e, finalmente, seu humor era outro. Vendo esta cena, um espectador comum não entenderia os meses de desespero perto do telefone, as noites mal dormidas olhando o computador e as garrafas inúteis de vinhos gastas no chão. O amor tem o efeito absurdo de nos tirar do nosso bom senso, mas, ao mesmo tempo, nos retirar daquilo que é sofrido. D

Macro

E compreendeu então que há duas solidões, a solidão do monólogo e a do dialogo. A primeira ele começava a sentir na proximidade com os de fora, e eram sempre de fora os que não pertenciam ao seu núcleo. Esse estado lhe foi sempre penoso, trazia uma hostilidade na reserva que mantinha e provocara. Um homem é sempre um estranho diante de outro, sabia-o bem, mesmo ligando pela carne, pelo sangue, pelo instante de gozo entre duas frações de ódio. A segunda era a sua solidão de sempre. A que comprime, modela e torna estanques dois seres que se conhecem nos mínimos anseios, poro por poro, hausto por hausto, até que se cristaliza entre os dois esse fluxo de recriminações recíproco, e produto final, a pedra do silêncio. Mas cada um sabe da presença do outro. Esse conhecimento os destrói e sustenta, aniquila e traz certeza de uma continuidade. Nenhuma variante. Nenhum ímpeto de adicionar um novo elemento. O mesmo nó no mesmo ponto, a se fazer e desfazer, o mesmo intervalo de aparência para gar

Micro

            Ele se aproxima do microfone, seus olhos estão tremendo. Seu corpo é magro e sua face parece refletir anos de abuso. Sua camiseta parece rasgada e suja por pelo menos por algumas semanas. O bar está vazio, o lugar é pobre, e ele tocava pelas cervejas que lhe davam. Seus pais haviam lhe ensinado a amar os músicos fracassados, aqueles que nunca viram muitos palcos. Ele sabia infrutiferamente que os melhores sonhos são aqueles não realizados, os projetos que ficaram para o ano que vem, e a sombra do tempo que ameaça nosso horizonte. Quando ele começava a tocar, o silêncio era absoluto, ninguém conseguia se mover, era como se, por um momento, nós tivéssemos nosso interior invadido. Sua música parecia à colonização de um mundo que nós escondíamos para o exterior, o teatro se revertia e a plateia virava o palco dos seus versos.              Um adolescente corre, o suor escorre pela sua camiseta, ele se sente estranho, bêbado e inadequado, em algum lugar de tudo aquilo, uma