Você é romântico?

Ele esperou meses por aquele dia. Acordou cedo. Fez a barba. Limpou o apartamento. Lembrou-se de tudo que ela havia prometido, cantava suas palavras como se fossem sua música. Avisou ao porteiro que receberia alguém. Havia cozinhado dois pratos, difíceis, e colocado no fogão. Economizou o dinheiro que gastaria no táxi, porque não gostaria de se atrasar no ônibus. Ninguém seria capaz de adivinhar seu passado inconsequente a partir daquele dia. Ele era um homem em uma missão.
            
Seu apartamento minúsculo tinha ganhado cor: flores novas haviam sido compradas, a louça estava limpa, as garrafas de cerveja na lixeira, a cama com novos lençóis, e, finalmente, seu humor era outro. Vendo esta cena, um espectador comum não entenderia os meses de desespero perto do telefone, as noites mal dormidas olhando o computador e as garrafas inúteis de vinhos gastas no chão. O amor tem o efeito absurdo de nos tirar do nosso bom senso, mas, ao mesmo tempo, nos retirar daquilo que é sofrido. De alguma forma estranha, a vida fica mais fácil quando a plateia do mundo se reduz à duas pessoas ou, pelo menos, era isso que aquele homem pensava naquele dia.
            
Ele chegou no portão do aeroporto com duas horas de antecedência, trouxe junto uma pilha de livros do Fernando Pessoa. Esperava que assim, seu destino estaria protegido sob a égide dos seus poemas, mal ele entendia que o mesmo legado poderia lhe trazer infelicidade. O portão estava vazio, pois já era a madrugada. A mesa sob a qual ele sentava estava cheia de rabiscos obscenos. Os guardas começaram a olhar, com suspeita, aquele homem parado há horas no mesmo lugar. O avião dela havia chegado há três horas, e todos os passageiros desceram, porém ele se recusava a se mexer. Nem um milímetro. Nem para explicar aos guardas o que estava fazendo. Na sua mente borbulhavam milhões de pensamentos, enquanto uma pobre mensagem lhe chegou no celular. Não pude viajar. Eu nunca poderia ir até sua casa. Isso nunca pode acontecer. Ele respirou fundo, e fez uma singela promessa, que o romance não deveria existir mais. O preparo da sua casa para estranhos não haveria de acontecer mais. Seu coração não haveria de acontecer mais.

            
Ela riu, quando ele contou tudo isso pra ela. Ela riu alto e estrondosamente. O café inteiro olhou para aquela menina magra. Seus gestos sendo exagerados, e sem muito significado. Sua voz aumentava na medida em que ele contava sua história. Ele se irritava profundamente. Respirava. Contava até dez. Tentava compreender a situação. Ela parou de rir e, como se nada tivesse acontecido, dormiu. Ele lembra-se bem deste momento, porque duas coisas estranhas aconteceram. A primeira delas é que ele estranhou a profundida da sua respiração, ela parecia, realmente, adormecida. Segundo, o barulho que ecoou do seu peito. Após poucos segundos, ela levantou, triunfante, e gritou: seu coração, ainda, bate. Ele não conseguia explicar o que havia lhe acontecido, o momento parecia absurdo. O que ela não haveria de saber é que seu coração nunca havia deixado de bater, no entanto ele aprendeu um truque. Se ele pudesse esquecer, rapidamente, o que havia acontecido, ele não teria que lembrar. Ela entrou na sua vida com a mesma velocidade com que partiu. Deixando só a memória de um romântico que perdeu a memória.

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