Bolhas de sabão.
Era
como se existisse uma bolha. Crianças brincando com sabão num belo domingo de
sol. Sorrisos esboçados no barulho de bolhas de sabão explodindo. Pais felizes
de contemplar seu futuro e passado no rosto de seus filhos. Era assim que eu me
sentia anos atrás, quando ela disse que iria embora. Foi como se alguém tivesse
me roubado a minha mais terna e antiga lembrança. O dia em que nós nos reuníamos
para contar nossos problemas, e brincar com nossos filhos. Era como se ela
pudesse me roubar à única coisa que me restaria após sua saída.
Quando
ela foi embora foi como se uma bolha explodisse. Uma imensa e plástica bolha
condensada na minha pele que tivesse me impedido de ir embora. A única ligação
que eu mantinha com a realidade fora cortada, e eu poderia viver em algum lugar
longe da humanidade. Foi assim que eu me senti quando ela disse que nunca mais
voltaria. Levou seus CDs e livros em uma caixa antiga. Não deixou telefone para
contato. Retirou seus sorrisos e o café requentado das minhas manhãs. Recriou
seu futuro em uma imagem em que o passado fosse um sonho apagado. Quis terminar
todas as noções e rituais que nos dividiam; desmembrou o meu mundo de
população.
Platão
teve o trabalho de criticar a ideia que existem almas gêmeas. Os seres humanos não
foram às criaturas prepotentes que desejaram matar os deuses. Zeus não tirou
seu raio para separar os seres humanos em dois, porque nós traímos a fé. Os
deuses gregos não eram morais, eles erravam e pecavam. Platão disse que o amor
era um deus, ou, um demônio, que transmitia as imagens divinas à mente dos
pobres homens presos nas sombras. Você era como a última ligação que eu desejei
manter com o mundo. No momento dado, você deixou de ser o semideus platônico
que me permitia enxergar. Talvez, sem você, eu não tivesse descoberto todos os
tons de sombra que existiam no pobre mito da caverna. Por isso, agradeço.
Um
mito bem dito tem que ter seu começo. Digo que no nosso apartamento, a regra
foi que somente a felicidade existisse. É como se tanta felicidade fosse
resumida somente em um dia, e que pelo resto da vida fosse ali espalhada aos
poucos. Nós éramos opostos. Eu gostava de punk, budismo e drogas. Você me dizia
que eu deveria ser calmo, estudar religiões ocidentes e praticar a lucidez. Eu
era agressivo e sanguinário, queria tudo agora e nesse exato momento. Você
tinha a paciência de um monge em cima da montanha, esperando a iluminação
espiritual. Eu respeitava sua desconcentração, e você dizia que eu poderia
passar horas lendo a mesma maldita página. Foi assim que fundei em nosso
apartamento uma inscrição na parede com letras imensas: ninguém aqui seja
infeliz, a felicidade que aqui se viveu se espalhe por todas as eternidades
imagináveis. Eu te amo. Ainda.
Sim: calma, lucidez, paciência, concentração descontraída. Mas também: intensidade que beira a insensatez.
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