A triste e curta vida de Ernesto
Ernesto
levanta cedo, e percebe, curiosamente, os pássaros voando ao seu redor. Começa
a se sentir tonto, faz anos que ele percebe que viver de cigarro, café e
cerveja não vão mantê-lo vivo por muito tempo, mas ele tem feito a pergunta,
importante, se ele, realmente, quer se manter vivo.
Duas
possíveis respostas:
1) Sim
2) Não
Ele
não consegue pensar no não. Ele era católico, afinal de contas. Ainda rezava
para um Deus que não acreditava. Por isso a pergunta tinha que ser sim, mas não
gostava daquela afirmativa-seca, redonda e certa- de um sim, sem nenhuma
reflexão.
Levantou-se,
em plena segunda, com um calor assolando seu corpo. Foi-se espalhando pelas
suas extremidades, a roupa social colada no corpo, enquanto sentava numa praça.
Percebia que era um ataque de pânico. Queria gritar, mas sua garganta estava
seca, poderia ter pedido ajuda, mas não conseguia se expressar, ou mesmo, não
queria se expressar. Ernesto tinha decidido há muito tempo atrás que era difícil
conviver com outras pessoas, por isso acabou criando um lugar silencioso na sua
mente. Ele conseguia ausentar-se das relações do cotidiano. Exercia um certo
controle mental, romano, na sua mente. No trabalho, ninguém percebia o que ia
além do simplório sorriso e, sinceramente, poucos teriam se dado ao trabalho de
observá-lo.
Eu,
no entanto, tive que fugir da regra. Lembro dos olhos secos virados para o
computador. Os tiques nervosos de sua perna ao roçar com a mesa, e seu grito,
desesperado, preso nas suas esperanças mortas. Lembro-me, especialmente, do seu
cabelo caindo aos poucos, das suas mãos tremulas e de um charme, um pouco
caótico, o charme dos homens perdidos, mortos aos poucos pela loucura, o charme
dos que estão perto de morrer. O café escorria na sua mão, enquanto o cigarro
acabava rapidamente. Tinha algo de extremamente poético na forma em que ele se
esforçava em fazer, absolutamente, tudo. Ele poderia ser o empregado perfeito,
caso você não fosse longe o suficiente.
O
dia que tive que ajuda-lo, seu corpo estava em convulsão. Ele tentava falar,
mas sua mente havia se ausentado. Não haviam fotos no seu escritório, por isso
imaginei que ele não tinha uma família. Descobri depois que todos seus parentes
haviam morrido e ele era filho único. Tinha uma coleção de fotos, na sua casa,
de pessoas viradas de costas para a câmara, parecia um projeto poético. A fuga
da câmera, como uma possível fuga, de toda a observação do mundo exterior. Um
projeto de fotografia sobre os homens e mulheres que fugiam todos os dias do
seu cotidiano. Imaginei, enquanto ele caia morto na minha frente, que ele havia
passado a sua doença para mim, como se este tipo de loucura fosse contagioso, e
pudesse se espalhar dizimando cidades inteiras.
Estou,
aqui, escrevendo meu breve relato, enquanto meu corpo começa a tremer e sei,
sem nenhuma dúvida, que estou prestes a ir embora, na minha cabeceira, vocês
vão encontrar uma caixa cheia de fotos, fiz meu melhor, para terminar seu
projeto.
Hoje,
acordei, e o céu estava cheio de pássaros. A camiseta social, colada ao corpo,
me fez suar. Não consegui olhar bem o céu, antes de cair, mas abracei, ao longo
do meu peito, esta pequena carta, espero que ela possa te salvar. Espero que,
em algum lugar, nem que seja num sonho, possamos compartilhar nossas dores, e
sermos entendidos, já sei que isso não é possível, mas a utopia é um lugar vazio
e nós temos que, futuramente, passarmos a ocupa-la. Com os nossos silêncios,
nossos projetos, nossos amores fracassados, mas, também, com os poucos sucessos
que contrabalançam o compasso dos nos corpos, em convulsão, atrás de um dia,
melhor.
Comentários
Postar um comentário