Espelho
O corpo fechou, lentamente, sobre si
mesmo. Primeiro, não conseguia mais
comer, ou dormir. Tudo que ele colocava à boca, voltava em forma de vômito. Era
simples, tecnicamente, o que estava acontecendo, seu corpo, assim como sua
mente, havia sido destruído. O quarto parecia ter congelado no tempo, nada era
limpo, e os gatos pareciam miar, constantemente, contra sua paz. Não havia
deixado entrar luz na sua casa fazia semanas. O ar era denso e parecia carregar
uma história sobre seu passado, o cheiro não parecia ligado à vida, mas sim a
um reino, totalmente, desconhecido.
Havia pensado que todos seus heróis
tinham se suicidado, no entanto, ele não gostava da pressa desta decisão. Ele
preferia algo devagar, que não dependesse da sua decisão consciente. O
psiquiatra havia dito que nunca tinha visto aquilo acontecer, ele tinha perdido
muito peso, tinha um quadro clinico desesperador, mas sem nenhuma doença
aparente. Ele respirava, fundo, enquanto meditava sobre seu destino. Ele havia
ouvido falar sobre monges que recusavam seu próprio corpo até o total silêncio
da sua vida. Parecia bonito, não haver uma violência contra Deus ou o destino,
havia uma pacifica resignação. Santo Agostinho estava certo, ao determinar, que
o homem era arrogante demais em querer decidir sobre sua vida, ou mesmo, querer
mudar seu destino, a queda da Roma foi a ruina do egoísmo, a queda do homem foi
o fracasso do seu reino.
Ele olhou a si mesmo no espelho, e
ficou espantado, seus olhos estavam fundos-seu crânio inteiro aparecia nos
contornos do rosto. Ele não conseguia mais reconhecer seus olhos, ele havia se
transformado em outra pessoa. Seus ossos pareciam quebradiços, e sua boca tinha
sinais de desgastes e, resquícios, de sangue. Seus familiares e amigos poderiam passar por
ele, no meio da rua, sem nem ao menos notar sua presença, de certa forma, era
isso que ele estava procurando, um tipo de invisibilidade, um desaparecer, lento,
sobre sua própria sombra.
O fim não havia de tardar, mas,
mesmo assim, o tempo havia perdido seu significado—não havia mais pressa, este
era um atributo daqueles que viviam, e, obviamente, havia várias formas de
morrer, em diversos sentidos, seu corpo havia desistido. Seus dedos foram os
primeiros a perder a sensibilidade, e seu braço seguiu entorpecido. Ele sorriu,
principalmente, quando não conseguia mais falar, agora, ele estava impedido de
se comunicar, seu pedido era que não o incomodassem, suas portas foram
fechadas, e seu apartamento continuou inerte, como se ele tivesse direito a seu
próprio velório, antes mesmo do tempo. Foi assim que eu imaginei sua vida,
antes de abrir a porta do apartamento, e foi, desta forma, que vim a conhecer o
homem olhava no espelho.
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