A Flor e a Náusea
A
garota anda, tortamente, por meio da rua, buscando equilibrar a flor na sua
mão, enquanto observa o fluxo do trânsito. Parece absurdo para qualquer
espectador, desavisado, que aquele vaso seja daquele tamanho. Ela não é,
essencialmente, bonita. Pelo menos não para os padrões estereotipados, ela é
bonita de uma forma um pouco peculiar. Sempre se veste bem. Sempre sorri.
Parece deslocada contra o plano de fundo de uma cidade cinzenta e desabitada.
Ela foi até o aeroporto na esperança que seus mundos pudessem se encontrar,
como se, num passe de mágica, diferentes visões de mundo pudessem ser equilibradas
na ponta do pé. Não era absurdo pensar que seus olhos iriam se encontrar no
momento em que ele saiu do portão do desembargue. Nem, ao menos, seria absurdo
pensar que ele iria sorrir, sem nenhum tipo de constrangimento. Absurdo, até
poderia não ser, no entanto nada disso aconteceu.
Pequenos presentes são dados durante
o nosso dia. Um sorriso silencioso no elevador, uma respiração fraca, contra o
peito, num abraço e, irritadamente, uma risada esquizoide no nosso ouvido. Se
nós não somos capazes de entendermos esses diferentes presentes, é bem possível
que não fossemos mais capazes de respirar. Nosso pulmão se recusando a tomar
qualquer prorrogativa sobre o assunto, e não haveria, nenhuma, discussão. A
vida, no entanto, nos retira boa parte da nossa capacidade de visão. O que
vemos é tão real quanto um soco no rosto, se o mundo é o caos desequilibrado da
nossa mente, então é, bem provável, que nosso redemoinho psicológico nos
envolva. Nunca deixa de ser tão real quanto um soco na cara.
Foi tudo isso que ele conseguiu
elaborar, enquanto alguns pratos eram jogados contra sua parede. Pensou,
calmamente, que o amor era um tipo de quebra: exagerado, imenso, pesado e que
ocupava um barulho ensurdecedor no seu apartamento. Deslocou as fotos da parede
como se ele não fosse parte delas. Respirou, sem parar, sua indecisão. Dado as
resoluções finais, ele desejava nunca poder voltar atrás; a vida sendo um
caminho, irreversível, de decisões ruins tomadas, sem qualquer proposito maior.
Ela, no entanto, não podia
corroborar tal posição. Sua crença, religiosa, na ordem, havia levado suas
decisões ao extremo, o barulho do mar deixando ambos sobre o mesmo céu.
Histórias de amor não tem mais graça de serem contadas, pois ninguém mais
consegue acreditar nelas. O próprio cinema não tem coragem mais de nos dar
finais irreverentemente felizes. Caso fosse assim, nenhuma sala estaria lotada,
viramos todos céticos.
A mulher, porém, levando a planta
até o aeroporto, mal pode conceber as consequências do seu dançar sobre a
avenida congestionada. Nem mesmo conceber que o homem sentado sobre a mesa
pensa na beleza singular daquele momento, teorizando que nada nessa vida pode
ser repetido duas vezes, como se tudo tivesse algo de unicamente próprio e
caótico. Foi assim que a flor se transformou na náusea e, ambas, puderam
coexistir num dia cheio na cidade.
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