Tantália.
Um
texto deveria começar com uma breve introdução. Uma nota de rodapé que
permitisse com que todos entendessem quem era o autor. Um sorriso deslocado e
perspicaz sobre quem coloca seus sonhos em palavras. As palavras resolveram
viver em sociedade, convocaram uma festa, uniram seu corações e acreditaram em
uma continuação. Todo autor continuaria suas próximas obras como se fosse uma
continuação eterna, repetitiva, da mesma temática. A tosse que se assemelhasse
ao espírito humano renascido em uma narrativa. Os homens, finalmente, teriam
paz.
Foi
isso o escritor, envelhecido pelo tempo, quis dizer, quando ele repetiu que
nossos amores são como plantas. Macedônio Fernandez não permite que a planta,
viva ou morta, permaneça como uma incógnita. Ele tem que arrancar suas raízes
do fundo do vaso, percebendo que, talvez, não haja mais ponto final. Seu
desespero foi querer modificar a dúvida, como os cientistas que nunca saberão
se o gato na caixa está morto ou vivo. O grande argentino arregaçou suas longas
mãos, e teve que tirar a raiz da bela planta do vaso. Um trato dito entre dois
amantes que aquela forma de vida simbolizava sua vida em conjunto. No dia em
que a última folha caísse sobre o chão, seu amor chegaria ao fim.
Mia
Couto tem uma metáfora muito bonita sobre a união de amantes numa cama. Seguindo
uma tradição local da família situada em uma ilha qualquer, o homem poderia ter
o número de amantes que precisasse. O velho, no entanto, dizia repetidamente
que nunca poderia dormir com elas. Quando você dorme com alguém, a pessoa rouba
sua alma. Não me venha dizer que é superstição, parte de você se remete aquele
momento em espera de um significado.
O
jovem pensava nisso, enquanto respirava fundo. Ele sempre acreditou que sua
alma ficava presa nos estrados de madeiras em casas alheias. Desde seus vinte e
cincos anos, nunca mais permitiu que ninguém dormisse na sua casa. Ele tinha
uma reunião no dia seguinte. Sua família estava com problemas. Um parente
distante precisava de companhia. Ele tinha médico. Qualquer desculpa que lhe
servisse como justificativa para a sua fuga do meio da noite. Sua alma estaria
salva, em paz, desde que ele se negasse a reprisar as mesmas sensações do velho
africano.
Uma
planta estava sentada na sua varanda, enquanto alguém dormia sobre seus braços.
Ele começou a se questionar sobre suas metáforas. Não há nada mais sério na
vida de alguém do que a questão das metáforas que representam sua vida. Se ele
pudesse deixar a planta em paz, sentada sobre seus próprios pensamentos
naturais e inexistentes. Se ele tivesse a tão sonhada capacidade de deixar que
as respirações sobre o seu peito fossem delicadamente contadas. Se ao menos,
ele soubesse que o tempo não tem pressa, ele esperava como um velho sentado na
praça, contando os deslocamentos dos pombos ao seu redor. O jovem poderia ter
tudo, mas ele não conseguiu esperar com que a incerteza lhe tomasse a mente.
Rapidamente,
ele se pôs a escrever uma carta. Sem endereço ou destinatário, ele ficou,
obcecado, em ser compreendido. Colocou a carta sobre sua escrivaninha, e esperou
que o ventos levasse seus pensamentos. Disse a si mesmo que não poderia mais
esperar até a planta crescer. Ele precisava controlar o crescimento do seu
amor. Um artesão platônico que, finalmente, decide construir a arquitetura do
seu mundo. Coloca pilares firmes sobre seu coração, andaimes sobre seus braços,
e busca plenitude na ponta do seu estomago. Tenta ligar, mas o telefone não
atente. Joga a carta pela janela, mas ninguém responde. Bate na porta da casa,
e busca a respiração da outra pessoa. Já não existe ninguém no cômodo, e ele
não conseguia concluir se ela tinha sido uma invenção da sua mente. Um sonho
destinado a ser remontado nos seus mínimos pedaços por meio de figuras
caóticas. Sombras que assolassem seu dia seguinte.
Sem
conter sua respiração, ele escutou um barulho. Em primeiro lugar, o peso dos
pés sobre a madeira do seu antigo apartamento. A cantoria desafinada de tons
desengonçados e desarticulados. Quando ele, finalmente, ouviu aquela voz
perguntando se ele gostaria do café-da-manhã. Ele respirou fundo. Contou
algumas respirações, como em uma medição budista. Disse, calmamente, que
adoraria. Ela sorriu. Ele perguntou se ela sabia o que significava tantália.
Ela não sabia. Eles dormiram um sono, sem sonhos. Sua alma, talvez, nunca tenha
existido. Contudo, ele lembrou das palavras do velho, sábio, que sabia que
dormir com uma mulher significava mais do que o momento que os corpos se
encontraram. Significava que uma planta haveria de nascer e morrer todos os
dias, mesmo que eles nunca mais se vissem. Uma verdadeira tantália.
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