Para o mundo todo ver.
Desde
jovem, ele tinha sido irrepreensível. Não dava ouvidos a ninguém. Vindo de uma
família humilde, tudo que ele pedia era a música. Depois de uma virada de
sorte, seus pais haviam ganho uma pequena quantia na loteria. Cada filho
recebeu sua cota do dinheiro. Ele correu até a loja mais barata de
instrumentos, e foi empilhando a guitarra, o baixo e a bateria. Seus irmãos o
seguiram, já que seus pais haviam lhe ensinado o lema: “Nunca abandone seus
irmãos”. As primeiras sessões foram terríveis, ninguém sabia muito bem o que
estava fazendo. O som era raivoso, sem direção, e um misto de arrependimento e
tristeza. Mesmo assim, eles eram irmãos. O mais velho sempre decidia o que
fariam: o nome da banda, qual o estilo de música e quem ficaria com qual instrumento.
Os dois escutavam em silêncio.
No
dia da morte do seu pai, todos eles ficaram sem palavras. Os três irmãos
pareciam não se diferenciar um do outro: o sentimento era inefável,
inexpressível e ridículo. Era como se o pesar que eles tinham não pudesse ser
traduzido em palavras. O irmão mais velho, irreverente, disse que o nome da
banda tinha que ser “Morte”. Lógico que os dois irmãos não gostaram da ideia,
mas ninguém achou que ele realmente estivesse falando sério. Imaginavam que
aquilo tinha sido o pesar da morte do pai. No entanto, eles escutaram o lema:
“Nunca abandone seus irmãos”.
Alguns
dias depois, o irmão mais velho, David, havia finalmente escolhido o que eles
iriam tocar: rock. Fugindo de toda a onda da sua época, David queria tocar o
rock mais barulhento e ruidoso possível. Foi assim que eles se lembram dele
chegando no quarto. As duas baterias ocupavam o espaço de um quarto minúsculo
de poucos metros quadrados, em que as guitarras e o baixo ficavam pendurados na
parede. David sorriu e disse que eles iram tocar The Who. Quando perguntaram o
porquê dessa decisão, David disse “Eles são a destruição e a salvação, tudo
junto em um palco”. A banda começou a trabalhar nas suas composições. As
canções pareciam rock, mas eram mais rápidas, cruas e singelas; não havia
longos solos, ou gritos bem harmonizados no final das estrofes. David sonhou
que era o baterista do the Who.
A
verdadeira história do baterista do The Who é controversa, mas muito acreditam
na seguinte versão: Um dia, depois de um show, Keith Moon se aproxima da banda
que quebrava seus instrumentos, e diz “Seu baterista não presta”. Todos os
músicos ficaram em choque, principalmente o baterista. Ele repetiu: “Seu
baterista não presta, eu toco melhor que ele com uma das mãos amarradas”. Eles
não entenderam direito o que estava acontecendo. Ele gritou de novo: “Seu bando
de idiotas, eu sou seu mais novo baterista”. O guitarrista ficou sem expressão
nítida no rosto, enquanto subia no palco e improvisava algumas linhas. O
baterista começou a tocar. A sala inteira ficou em silêncio, sem saber o que
dizer. Era energia pura, como se um demônio tivesse sido colocado no corpo
daquele menino magrelo. Sob o efeitos de drogas pesadas, aquele garoto fazia a
bateria parecer uma orquestra inteira de percussão.
Quando
eles finalmente foram reconhecidos, David estava sorridente e confiante. Nada
poderia abalar seus sonhos. A gravadora exigiu somente uma coisa em troca de um
contato que valia uma fortuna: troquem seu nome. David sorriu, e sem esperar a
resposta dos dois irmãos, disse que isso nunca poderia acontecer. Três negros
em uma banda de rock, cuja identidade se baseava na morte do seu pai, nunca
trocariam o nome. Os dois irmãos, repetidamente, exigiram a mudança do nome,
enquanto a frase de sua família ecoava em seus ouvidos: “Nunca abandone seus
irmãos”. Eles perderam o contrato, e nunca mais tocaram juntos. Eles se
separaram por causa do trabalho, e a banda não esteve mais junta. Pelo menos
não tocaram juntos, enquanto David estava vivo.
Existem
duas cenas finais para essa história. Gostaria que vocês retesem cada uma
dessas imagens com um carinho especial. A primeira delas é um casamento. David
está com câncer, mas não conta a nenhum dos seus irmãos. Ele segura a câmera, e
vai casamento a frente, sorrindo e dizendo piadas sem nenhuma graça. A imagem
de uma gravação que soa como um fantasma nos olhos dos seus irmãos. Perguntam
se está tudo bem, ele responde que tudo estava bem. Toda a família está junta,
seus irmãos viraram músicos de reggae. Ninguém mais lembrava daquela banda
antiga chamada “morte”.
A
segunda cena é uma banda dos filhos dos dois outros irmãos no palco. Os filhos
gritam, incessantemente, as músicas dos pais. “Morte”, finalmente, está fazendo
sucesso. David tem uma presença sobre humana naquele momento, o que sobrevive
do homem, muitas vezes, é somente sua fé, e nada mais. Esta cena, infelizmente,
está ligada a outra. Dias antes da sua morte, David corre até seu irmão e pede:
“Guarde essas fitas da nossa antiga banda, um dia o mundo vira nos procurar”.
Hoje, seus filhos tocam as músicas dos pais, acompanhadas de um refrão violento
e paradas de tempo agressivas. O mundo veio ver, mas David não poderia mais
acompanhar sua banda. Os seus irmãos choram, porque sabem que aquela banda nunca
está completa. Via de regra, a vida social somente reconhece o valor daqueles
que já não estão entre nós. A morte nos dá nossa fama final, mesmo que ela
custe nossa ausência.
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