Eu sempre quis ser Hemingway.
Reza
a lenda que eles invadiram o restaurante. Um dia antes do final da segunda
guerra mundial, homens suspeitos, munidos com uma metralhadora, entraram no
mais distinto hotel da França. O escritor disse, com cuidado, que ele tinha
lutado todos aqueles anos para retornar ao seu bar de juventude. Ele correu até
a adega, sorriu sem jeito, e optou por sentar-se em silêncio, em desespero
sobre tudo aquilo que a guerra havia lhe custado; sua saúde, seu casamento e
sua sanidade. Sentado naquele lugar, ele começou a gritar pela liberdade de
Paris. Aquele momento seria narrado por seus biógrafos, como o lugar em que ele
decidiu que seu último livro seria um ode à sua juventude em Paris.
Ele
começou a gritar ordens, dizendo, lentamente, que aquele era nosso bar, quis
trocar o nome do estabelecimento para “O Marujo Selvagem”, mas nenhum dos seus
amigos soldados concordou. Era colérico ao dizer quem queria se tornar, eu sou
o homem que salvou Paris, sem saber que em um lugar, não muito distante, o
general ocupante da cidade havia desobedecido Hitler. Com a luz de Paris no
final da noite, não havia homem nesta terra capaz de dar ordens de destruição
aquela cidade. Que venham os soldados me matar, Paris estará salva.
O
olhar era desolado frente ao seu futuro, sentado naquele apartamento minúsculo
com manuscritos girando ao redor do seu rosto, o vento da chuva deslocou toda
sua organização precária, deslocando suas ilusões em uma torrente de ar. Pediu
que o chamassem de Hemingway. Sua namorada repetiu, de novo, que ele não se
parecia com o escritor americano. Ele chorou, e disse que ela nunca poderia
compreender. Ela-desacostumada, confusa e suspeita que seu namorado era muito
sentimental- disse que ele tinha de parar “Não me venha com esse papo infantil
sobre seu futuro”, ele olhou ao redor do seu apartamento com calma “Você tinha
que entender que eu não tenho futuro”. Ela era cética, mas continuou a
brincadeira “Não me venha com esse papo, você não será como o Ian Curtis sendo
encontrado enforcado no seu apartamento, pela mulher que o ama”, Ele sorriu
“Então você me ama”. Os dois fizeram sexo, com muito barulho, e um roçar de
pernas envolto do mais puro suor bestial. Ela sabia que aquilo iria terminar.
O professor levantou na sua palestra
e explicou como Marguerite Duras foi a mãe de uma geração de escritores sem
esperança. Eu queria ter tido ajuda, era o que ele pensava. Escrevi, sem
cessar, desde a mais terna juventude, mas só conseguia ouvir os ecos dos
fantasmas de seu escritores favoritos. Lembra-se da tristeza de Borges que
ganhou a direção da maior biblioteca da Argentina, quando ficou cego. O
professor sentou com seus alunos e pediu que eles escrevessem uma página por
dia. Se vocês fizerem isso, vocês se tornaram escritores, mal ele sabia que
esta seria sua formula de viver, ansiando por aquele última página que nunca
haveria de vir.
De novo, ele teve aquele mesmo sonho: ele invadiu o Ritz com
Hemingway, gritando, em todas as direções, que hoje o melhor lugar do mundo
estava livre, o longo cemitério dos escritores que renasceriam; Como se, além
de toda semelhança física com Hemingway, ele estivesse vivendo o sonho que um
dia tal escritor teria. Um sonho que lhe permitiria reencarnar na pele de cada
homem bêbado, desesperado e corajoso, espelhando-se na simplicidade de frases
exatas, pragmáticas e sintéticas: “Hoje nós ganhamos a guerra, abram as
garrafas de vinho, tirem esta cara triste, e gritem a todos que nós estamos
vivos”
Sempre detestei ouvir pessoas inteligentes falando que vão morrer cedo. Sempre gostei de imaginar aquela inteligência amadurecendo ao infinito, e a capacidade de amar aumentando à proporção. Sempre tive esperança, não sei por quê, mas esperança.
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