O nascimento da Clínica.
Ele
vê as marcas de sangue na sua mão. Pensa consigo mesmo como é engraçado que os
contornos da sua pele possam ter pequenos pontos vermelhos de pura dor.
Imagina-se fora da lógica do que dizer. Se ele pudesse criar uma linguagem
própria, e ninguém pudesse aprendê-la. Queria criar esse mundo tão circunscrito
na sua própria reflexividade que nada pudesse invadir. Os budistas tinham uma
concepção de equilíbrio. Retirando os véus que mascaram a realidade, pode-se
finalmente ver a real realidade material empírica fictícia. Ou seria um sonho
imaginar que sinceramente pudéssemos ser capazes de dividir somente um grande e
imenso imaginário. Se todos os seres humanos dividissem uma ideia em comum,
talvez eu tivesse a capacidade de abrir um sorriso. Foi isso que eu gostaria de
ter dito, mas não conseguia ir além do ecos desmembrados da minha úlcera.
Ele
sentava no bonde, esperando pelas pessoas se movimentarem ao seu redor. Vendo
cada um dos passageiros passando os olhos pelas cadeiras azuis. Esperando até o
apito agudo e refinado de um sistema de transporte de almas. Imaginou um lugar
em que não houvesse mais barulho. Ruído. Lembrou-se da primeira vez que alguém
pegou na sua mão. Lembrou do quanto seu suor passava pelas suas cicatrizes, e o
ridículo de um repositório de crenças infantis que ainda mantinha na sua mente.
Entendeu que seu ódio nunca foi contra as pessoas, mas aos sentimentos que
haveriam de lhe imputar.
Quis
explicar que não entendia as regras, mas não era por maldade ou sociopatia. As
regras somente não funcionavam. A seriedade dos médicos, os olhares racionais,
os toques frios e inumanos, contrastavam com o começo da adolescência. Alguma
parte muito importante foi deixada naquele momento: a capacidade se sentir
parte ou alterado pela realidade. Desde que você pudesse se separar do ambiente
mentalmente, você poderia sorrir. Desde que você pudesse, sistematicamente,
planejar um roteiro de fuga, não havia problema. Se eu posso fugir para minha
ilha mental, tudo pode ser resolvido. Mordidas e marcas de faca no seu corpo
mostram a resignação de uma pulsão de violência restrita a um cômodo.
Os
médicos retiravam a faca da sua barriga, mantinham sua respiração por
aparelhos, e não conseguiriam imaginar que ele estava acordado. Um sábio já
dizia que não saberia identificar se era uma borboleta sonhando ser humano, ou
um ser humano sonhando ser uma borboleta. Os médicos não imaginariam que ele
pudesse estar acordado. Por isso, os pontos vermelhos no seu corpo eram
surpresa para os seus cardiologistas. Se ele acordou tempo o suficiente para
fazer pressão sobre a sua própria mão, havia esperança. Ninguém suspeitava que
quando ele tivesse força o suficiente, ele levantaria. Andaria até os aparelhos
que o ligavam com a vida. Desligaria toda a energia. Não duvidaria da sua
decisão nem por um instante.
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