Romeu e Julieta.


Cara Julieta,   

Quando perguntaram a Sócrates porque ele não fugiria, sua resposta foi clara: viver fora da cidade é não viver. O ostracismo é uma forma de exclusão total da sua identidade. A morte seria mais doce em lugar de uma retirada total das características que lhe formam. Ele gritou a todos os brandos que preferia que fosse eliminado da vida, uma vez que “não ser” era melhor do que perder sua identidade. Quando perguntaram para mim o que eu sentia, tentei explicar o sentimento de perca de identidade; o problema era mais complicado. Indizível era meu problema; não se pode expressar a dissociação, você simplesmente a entende. Enquanto te vi deitada sobre a sepultura com a carta que nos ligava perdida no caminho, pedi o pior dos venenos para viagem.

É difícil exprimir o meu problema com o tempo. Desde criança, o tempo me pareceu uma vírgula mal explicada de um texto extremamente simples. Todos com quem eu me ligava romanticamente tinham o tempo como imensos planetas que giravam a toda velocidade em referência a sua gravidade. O meu tempo era como uma gravidade negada em que o tempo se desacelera referente à minha intenção. Quando te vi pela primeira vez, eu poderia ter jurado que a velocidade se moveu mais rápido, por um simples instante. Foi uma ilusão. O meu tempo continuava o mesmo referente a um mundo rápido demais. Eu comecei a ficar com dor de cabeça, porque sabia que dentro do meu tempo coabitava comigo somente eu mesmo. Aceitar esse pressuposto. Você deitada na sepultura, enquanto eu brigo com seu noivo. Irônico. Sarcástico. Eu mato Paris, e o veneno me mata. Você acorda, somente para se ferir com uma faca de novo. Estamos todos juntos. Em planetas totalmente dissociados de tempo confusos e aleatórios.

O segundo problema foi o abismo do esquecimento eterno de pensamentos efêmeros e ridículos. Tudo bem. Eu inventei esse nome, admito. Eu costumava te dizer que o cemitério dos inocentes na França era uma das provas mais cabais do esquecimento humano. Um lugar onde todos doentes eram jogados, porque não tinham dinheiro o suficiente para lápides. Você sabe que eu percebi um fato bem perturbador sobre você. Sua mente não conseguiu esquecer ninguém; era como se todas as pessoas da sua vida estivessem numa grande sala iluminada em que as sombras não pudessem tomar conta. As outras pessoas simplesmente jogavam suas memórias num buraco que lentamente consumia as sobras de vidas inteiras de lembranças inefáveis.

Nossa história está povoada de um conceito bem simples que nos persegue desde o começo. Se a nossa morte teria sido combinada desde o momento que nossos olhos se cruzaram naquele baile. Um grande homem me disse que a história era um acontecimento; a questão nunca foi uma linha que ligasse a coerência dos eventos. O problema era saber por que, a surpresa, daquilo que poderia ter acontecido de qualquer outro jeito, ridiculamente aconteceu. O não que nossos familiares nos disseram poderia ter acontecido de qualquer outra maneira, assim como nossos olhos se cruzando poderia não ter tido qualquer significado; o porquê os acontecimentos tiveram um evento descontinuo e efêmero. As razões e histórias universais estão erradas onde começam: no lugar em que uma linha contamina as razões e os motivos da história. É nosso dever colocar uma miríade de confusões e brigas onde somente se via a mais plena harmonia.

Por isso, eu decido me levantar. Tomei um veneno vinte vezes mais potente do que deveria ter sido para matar um homem normal. Vejo você levantando a faca em direção ao seu peito. Corro em sua direção; seguro seu braço. Você estava morto. Não, eu não estava. Esperava seus olhos me colocarem numa sala clara de memórias inesquecíveis. Romeu e Julieta se beijam de forma clichê e desesperadora. O não que é sempre possível em cada e todo acontecimento nos apresenta como o que aconteceu poderia ter se dado de forma completamente diferente.

Atenciosamente,

Romeu.

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