Declaração clichê.
Porque
você gosta de mim. Ela repetia a pergunta. Existe um imaginário criado em cada
mente acerca de outra pessoa. Lembro dos seus olhos, quando me fez essa
questão. A única coisa que conseguia imaginar era porque ainda não estávamos
nos beijando. Gostaria de voltar a sua pergunta, por um instante.
Desde
quando eu era pequeno, nunca tive nenhuma certeza no amor e tal insegurança me
proporcionou imensa descrença sobre seus mecanismos e lógicas; preferia viver
como se fosse uma série de confusões. Infelizmente, apesar de toda sua loucura,
me imagino um dia acordando do seu lado. Por um segundo, uma sensação muito
curiosa se apropria de mim mesmo. Alguns a chamariam de felicidade. É um tipo
de sentimento sobre o qual eu não tenho qualquer costume; uma sensação de
cumprimento de destino. Imagino que tal sensação tenha sido parecida dos meus
avôs quando chegaram ao Brasil, fugindo da segunda guerra mundial, e se
encontrando juntos e felizes. Por mais clichê que soe, eu gostaria de acordar
do seu lado. Não precisaria ser sempre, nem ao menos todos os dias, porque sua
vida é um mundo de possibilidades sobre o qual eu não tenho nenhum controle e
nem desejo ter.
A
segunda sensação é sua falta. As pessoas nunca me pareceram ocupar espaço.
Longe delas, eu consegui me comunicar e sorrir. Desde o dia que paramos de nos
falar, era como se um fantasma seguisse certos momentos da minha vida. Era como
se afundasse num mar de sensações confusas e dolorosas, cuja única solução foi
encontrada ao seu lado. Minha mente se ocupou do seu fantasma por todos os
dias; se consumindo nos seus olhos engraçados. Esperava, sinceramente, que você
se visse sobre os meus olhos ao menos uma vez. Talvez, assim, você entendesse o
que eu quero dizer. Se eu disse acerca do que eu sinto mais do que deveria, foi
porque não posso adivinhar seus pensamentos. Posso, ao menos, vislumbrar a
intuição que você sente algo próximo ao isso.
A
realidade. Se eu sei que vivemos de imaginações, será que eu teria direito de
pedir pela realidade. Acredito que meu direito vem do fato que minha imaginação
e realidade se tornarem a mesma coisa. Eu quero encostar todo dia no seu corpo
material, sem que isso impeça qualquer outra coisa; quero acordar com você no
sentido físico, e não nas projeções simbólicas de uma mente doente. Se ao
menos, você entendesse que minha imaterialidade resiste querendo deixar de ser
imaginário; que a construção da biblioteca eterna de livros infinitos vem da
idéia que eu gostaria de ler detalhadamente cada um deles. A sua vida
apresentada numa interdição de sentimentos mistos. O que eu quero com você é o
tempo de sentir sua respiração junta a minha pelo maior intervalo de batidas do
coração possível.
Se
até agora, você ainda não acreditou em porque eu gosto de você. Eu diria que
resta a comprovação empírica. Faltando para sua solução, somente, a presença.
P.s:
Existe um conto do Gabriel Garcia Márquez em que a mulher é confundida com uma
completa louca. O carro dela bate com um ônibus levando novos prisioneiros do
asilo para malucos. Ela pede carona para poder ligar e chamar o reboque. Acabam
confundindo ela com qualquer outra pessoa sem sanidade. Ela entra em desespero
e passa todos os dias pensando no homem que deixou em casa. Por sua vez, o
homem que já tinha sido abandonado por ela pelo menos uma vez, se sentia
completamente perdido e magoado. Quando eles se encontram, por acaso de um
plano da mulher, ele não acredita que ela está na sanidade. O próprio hospício
transformou o aspecto daquela mulher a um ponto em que os dois não conseguem sair
correndo dali juntos. O problema está nos olhos do homem que não consegue
acreditar naquela mulher que está a sua frente. Eu gosto de você, porque eu
acredito que estando na mesma posição, eu acreditaria em você. Tiraria-te
daquele lugar.
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