Dádiva.
A
menina carregava delicadamente a pequena caixa ornamentada como fosse sua
própria alma que estivesse escondida naquele pequeno compartimento. Ela gritou,
de forma exagerada, quando puxaram sua mão. Esperava, sinceramente, que não
fosse obrigada a abrir os pensamentos sombrios da humanidade. A voz que
ressoava na sua mente repetia o repertório de saberes inelutáveis. O fogo
destruiu a coerência da racional; resta o papel dos deuses ao equilíbrio
instável. Ela gemia de dor, enquanto seus cabelos eram distorcidos, porque ela
sabia que teria que atuar. O amor nasceu, na verdade, da criação de uma lista
de formas de atuação com o intuito de mascarar a intenção real do desígnio;
reinventar o próprio fogo, assim como o pensamento sombrio que rondava nosso
espírito.
A
mulher deitava na cama do psicólogo, tentando lhe explicar o problema. Meu sexo
é como um presente que entrego; sou a ramificação daquele que recebe. Minha
função existencial é abraçar alguém e lhe dar minha personalidade.
Incessantemente, um sociólogo se reviraria no caixão: Fui eu que vi a sua
atuação, e lhe prescrevi que por trás da sua atuação existe um eu perdido. Fui
eu que subi em frente a uma platéia para dizer o quanto seus rituais eram
idiotas. Mesmo assim, vocês insistem no erro de achar que sua alma e corpo são
únicos, e que sua vida é um presente para outrem que não existe. Não entendo
vocês. Nem ecoando por meio de reminiscência, tenho a decência de perceber o
que é um individuo. Minha mulher está aqui comigo me explicando que eu era rancoroso
demais; eu tinha sentimento reverso no peito para entender você. No fundo, o
que eu dizia da sociedade, eu queria dizer de mim mesmo. A acusação que todo
filosofo deveria se atacar um dia.
A
menina chorava, porque o homem abriu seu presente. A violência do instante em
que o pobre deus foi punido por escolher o acaso. Se os deuses controlassem
sempre o céu e os humanos, não haveria a menor graça na existência. Por isso,
ele havia dado o fogo. A criação de destruição do planeta inteiro na palma das
mãos. Sua punição havia sido cruel; mandar a mais bela moça, com o mais perdido
dos olhares, lhe abrir a mais terrível de caixas. Chorava, incessantemente,
porque via seu modelo de infelicidade reproduzido, a torto e direito, pela
mulher no divã do psicólogo.
O
teatro se iluminou com o rastro de holofotes nefastos, que corriam pelas
palavras suas restrições. O que você quer tem que ser, obrigatoriamente, o que
iluminamos. O sexo não é reprimido somente pelo não, mas pelas configurações de
sim que são permitidas. A mulher deitada se vê no espelho com os olhos de
pandora, pois sabe que nunca poderia ser nada mais do que os jogos de espelhos
a qual foi escolhida; a caixa ornamentada quebrado no meio como palco das
ilusões contemporâneas.
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