O diário secreto de Dr. Henry Jekyll.
Eu não sou uma pessoa. Eu
não estou aqui. Eu não deveria estar aqui. Você pode me ver, mas eu estou
vazio. Essa era a primeira descrição dada ao Minotauro; preso no mesmo labirinto
sua vida toda. O médico sentado na mesa pensava como tal momento descrevia a si
mesmo. Os olhos cansados, o labirinto eterno dos mesmos problemas, a fraqueza.
A fórmula deveria ter salvado sua vida. Nenhum médico conseguia diagnosticar
sua doença. Os sintomas eram claros: insônia, fraqueza e desespero existencial.
Ele vinha passado anos em silêncio como forma de se submeter ao mundo. Havia se
deixado calar milhões de vezes frente a humilhações. Pegou a faca na estante,
várias vezes, pensando em qual seria a sensação quando ele morresse. Não teve
coragem. Não era forte o suficiente. Ele se sentia desapegado demais de tudo
que o cercava. Não tinha amigos. Ninguém próximo com quem dividir sua vida. Foi
abandonado por tudo que tinha. Lembra da sensação de atravessar corredores
vazios lotados de pessoas sem rosto. Calma, ele ainda não havia virado o
monstro.
A fórmula era simples;
teoricamente ele deveria ter se tornado um super-homem. Alguém capaz de matar e
superar qualquer homem. Ele achou que tal vingança seria justa com o mundo;
afinal ele não estava ali. Quando se remetia a sua doença, ele dizia
corretamente que estava virando um fantasma. Aos poucos, suas ligações com a
vida deixavam de existir. Chegou um momento em que lhe restava somente sua
companhia. O médico fora humilhado vezes demais para poder acreditar em
qualquer ser humano. A solução mágica.
A primeira sensação que
lhe tomou foi à coragem. Agora que ele não tinha medo de morrer, todos pareciam
extremamente frágeis. Um assaltante
sacou uma faca; ele enfiou a arma na sua barriga e riu, enquanto o assaltante
corria de medo. Hoje era a noite dos monstros, ele quis gritar. Eu estou livre.
Não era mais um fantasma, mas agora um monstro que virava toda noite. Relatos
de mortes violentas saíram nos jornais. Mulheres destruídas. Homens mutilados.
De manhã, ele acordava e
se sentia culpado de tudo que fazia. O monstro destruiu toda a cidade. Ninguém
conseguia pará-lo. O médico era seu único inimigo real. Olhou, de novo, a faca
em cima da estante. Ele morria de medo de morrer. Ser um fantasma em vida lhe
ensinou que nada esperava do outro lado a não serem nossos próprios traumas e
dores. Precisava de ajuda. Muita ajuda.
Teve uma idéia brilhante.
Sentimentos. Para um fantasma, isso era o equivalente a morte. Foi até a mulher
mais bonita que conhecia; convenceu-a do plano para salvar a cidade do poderoso
monstro. Finalmente, ela havia cedido. Seu corpo e alma pertenciam ao pobre
doutor. Agora só bastava a parte final. O doutor esperou até o momento que ele
soubesse que ela havia traído sua confiança. Somente no momento de total
desesperança, o doutor poderia finalmente acabar seu plano. Foi ai que o doutor
se encaminhou até o marido de tal mulher. O homem pegou a faca. Sorriu,
enquanto matava o doutor. O doutor teve alguns momentos relapsos perto da sua
morte:
Eu sou um Minotauro,
porque não consigo fugir dos problemas que estão inscritos na minha alma. O
labirinto é o mesmo. O teatro permanece, apesar da mudança de atores. Sou o
médico, mas sempre sonhei em ser o monstro, mas não sei lidar com as conseqüências
de sê-lo. Foi nessa linha que ele percebeu o que haveria de ter feito desde o
começo da sua vida: ser um fantasma. Desaparecendo aos poucos, até que não
houvesse duvidas que sua vida haja acabado. Se ele ao menos pudesse chegar a tal
desapego total de emoções e sentimentos, ele haveria de ter uma chance. O
silêncio da porta, calmamente, invadindo seu recinto fechado. Os problemas e as
pessoas sumindo em perspectivas. Enquanto, ele morria esfaqueado, ele percebeu
que sinceramente queria se manter nesse lugar. Era direito dele viver, apesar
de tudo. Sabendo disso, ele se defendeu. Com toda a força. Ainda hoje, existem
relatos do homem que virou monstro, para nunca mais ser um humano. Ainda
sabendo, que ele haveria de desaparecer lentamente enquanto virava um total
fantasma.
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