Sorriso.


Existem homens que passam suas vidas duvidando sobre o valor de se manterem nesse planeta. Uma pergunta recorrente é se deveríamos estar aqui; somado todas as coincidência que levaram até o nosso nascimento, será que isso fez qualquer sentido? Tivemos que evoluir de pobres células minúsculas, por um longo caminho, até o estágio em que chegamos. Um pai e uma mãe específicos tiveram que se encontrar no meio de milhões de pessoas para produzirem num dia e horário você. Isso pode ser totalmente desprovido de significado. Cada coincidência foi levada até outra, e você é o produto de um desaviso sobre sua vontade de nascer. Nós nunca escolhemos nascer; nós simplesmente nascemos. Algumas pessoas passam suas vidas inteiras se detestado por uma decisão alheia de conceber. Se não nos foi dado à escolha da vida, será que podemos escolher a não-vida?
            
Por um momento, você respira um ar destituído de tempo. As partículas sub-atômicas param de colidir contrariando qualquer lei física ou química. Você sabe claramente que o amor não existe; você não tem direito de chamar aquilo de amor. Anos de filosofia e ciência roubam a palavra de amor de qualquer significado; a palavra pode ser muito bem a combinação de estímulos químicos assim como a combinação de construções sociais pré-estabelecidas. Mesmo assim, sem acreditar numa palavra tão besta, você ainda pode apreciar um belo momento.
            
Um homem com cicatrizes no braço. Sem nenhuma ilusão. Os médicos sabem que ali havia algum problema. Era o olho cabisbaixo, o sorriso deslocado e a precisão errônea de decisões e pensamentos. Caos vive na mente dos olhos que não param. O perfil se esclarece: uma mulher extremamente magra, coberto de olhos nítidos e com um passado normal. Não havia nada de extraordinário sobre aquela pessoa; suas amigas haviam sido as amigas que todos tinham; suas sensações haviam sido de amor e decepção, gozo e choro, e todo o comboio de emoções humanas. Ele não deveria ter sentido nada. Absurdamente nada. A não ser o mar voltando a bater contra as conchas. A sensação de não-vida.
            
Por um momento, e eu odeio dizer um maldito e misero momento, ela riu. Ele não se apaixonou. Ele não a amou como se o mundo tivesse acabado.  Não havia ali nenhuma ilusão sobre um possível relacionamento. Ela gostava de compras e de ter amigas junto em boates cheias de homens vestindo roupas da moda. Ele era um porra de um homem cheio de cicatrizes. Por um momento, o riso dela salvou a vida dele. Dezenas de vezes. Ele pode recriar o riso dela pelo passar dos anos na sua mente, e ele decidiu que desde o dia que aquele riso havia existido, sua vida havia passado a valer à pena. Não importa seu cargo de executivo. Não importa que ele haja parado de tentar se matar. O riso dela havia o isolado do mundo por exatamente alguns segundos. Não importava mais se o sol caísse sobre sua cabeça naquele momento. Desde que ele pudesse recuperar a sensação do sorriso daquela menina invadindo seu peito. Seu sangue sendo substituído por cada gota daquele riso; finalmente entre o peito dotado de total insensibilidade passava qualquer gosto de sangue real. O único sangue que realmente importava era aquele que lhe fazia querer viver.

Ele agora sorria enquanto ela se afastava. Sabendo que eles nunca mais nas suas vidas inteiras iriam se encontrar. Ele nunca diria que a ama. Eles nunca se apaixonariam. Mas por um maldito momento, ele havia sorrido. Não precisa ser um sorriso enorme, nem ao menos algo que ele soubesse que ia durar; aquele momento era mais do que o suficiente. A contração do rosto de uma menina levou cada parte do ser daquele pequeno homem suicida a desejar viver. Nada mais seria igual; não porque algo fosse mudar para melhor, a vida continuaria uma merda, porém ele saberia pelos dias que haveriam de passar que ele era capaz de dar um sorriso. Um mísero e imenso sorriso.


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