Máquina Alegre Supimpa.
(Homenagem a J.D.Salinger e Gaiman)
Um homem gordo e outro homem
extremamente magro vestidos de ternos discutem no último andar de um imenso
prédio. Eles sentam perto de uma grande mesa de madeira, onde copos de uísque e
charutos estão posicionados:
-Suicídio
faz mal a economia.
-Realmente.
-Menos
pessoas trabalhando.
-Problemão.
-O
que podemos fazer?
-Uma
máquina.
-Dizemos
que queremos salvadas vidas e criamos uma máquina que dê respostas animadoras,
e avise as autoridades em caso de perigo.
-Tudo
bem, mas isso não seria invasão de privacidade?
-Quem
se importa?
-Vamos
dar um nome legal: M.A.S.
-Máquina
Alegre Supimpa?
-Maquina
Anti-suicídio.
-Próximo
o suficiente.
Um homem discursava com convicção em
cima de um grande tablado de madeira, e mais de centenas de pessoas observavam os
gritos ensurdecedores. Amigos, essa máquina revolucionará a vida como a
conhecemos. O que aconteceria se tivéssemos o direito de salvar todas as
pessoas tristes do mundo? O M.A.S promete dar remédios no momento certo, avisar
as autoridades e ainda manter conversas ativas com pessoas solitárias e
deprimidas. Problemas de alma e existenciais são resolvidos em um momento pelo
complexo sistema de incentivo MÁXIMO ALEGRE E SUPIMPA. Não seja mais escravo
dos seus próprios pensamentos. Com essa nova máquina, o mundo inteiro poderá
ser mudado.
Um homem mal vestido com ondas de
ódio ao redor de si mesmo roubou o microfone na hora das perguntas. Era lógico
que ele tinha perguntas; perguntas bem importantes:
-Se
você mata a tristeza, você não mata toda a criatividade? Vocês estão matando
milhões de pensadores ao enfiar pela goela a baixo um robô absurdo que conversa
com você, te obriga a tomar remédios e te impede de fazer as próprias escolhas.
-O
sistema é obrigatório pelo bem das pessoas, eles não podem raciocinar. - Palmas
vieram do publico.
-Eles
não podem raciocinar? Quem diabos é você para dizer quem pode pensar ou não?
Então é melhor ter uma multidão de pessoas supimpas e sorridentes aplaudindo do
que pessoas depressivas que tomam suas próprias decisões?
-Esse
homem certamente não entende a missão do MÁXIMO ALEGRE E SUPIMPA. Imaginem uma
vida sem dores; sem pessoas se matando. Imaginem se todos nós nunca perdêssemos
alguém. Imagine as dores salvas. O mundo inteiro equilibrado.
Enquanto ele falava, os seguranças
vinham pegar o pobre homem mal humorado. Claro que ele tinha perguntas. Os
babacas tinham obrigado ele a viver sob condições que ele não queria; risco de
suicídio alto, afinal quem decidia esses tipos de padrões. Só porque ele não
saia de casa, nem fazia nada. Porque ele questionava se a vida tinha
significado. Porque ele não tinha uma namorada há anos. Porque ele estava
desesperadamente perdido. Tudo bem, talvez ele estivesse em alguma lista
especial, porém ele não havia encomendado nenhum robô.
Um mendigo sentava no banco da praça
em que o homem cheio das perguntas foi jogado por seguranças nada amigáveis. O
homem cheio de perguntas se chama Max. Ele havia sido um escritor mal sucedido
de músicas e contos, que passou o resto da sua vida como escrivão de um
escritório de advocacia. Ele detestava seu trabalho. Ele não tinha quase nenhum
amigo. Na verdade, você podia dizer que num universo imenso, o mendigo seria
seu único possível companheiro:
-Bom
dia, Max.
-Bom
dia, mendigo maluco.
-Não
sou eu que estava apanhando de seguranças.
-Bem,
você sabe como é.
-Não
sei.
-Eles
me colocam numa lista e agora eu tenho que conviver com uma máquina estupida.
-Mas
é para o seu bem.
-Se
nem eu sei o que é meu bem, quem diabos falou que alguém tem direito de me
dizer o que é meu bem?
-Bem,
Max, até eu preciso do estado de vez em quando.
-E
mesmo assim, você mora na rua.
-Por
opção, eu sou o homem mais poderoso do mundo.
-Sei,
e eu sou o Papai Noel.
Max entregou o dinheiro no copo de
plástico do mendigo, enquanto saiu lentamente do parque. Ele subiu até seu
apartamento desorganizado com milhões de livros e instrumentos jogados por todo
o lugar. A atmosfera era sombria, até que uma maquina retangular com vozes
surgiu:
-Bom
dia, Max.
-Bom
dia, metal falando.
-Como
está seu nível de felicidade hoje? Dois, três comprimidos?
-Não,
obrigado. Eu estou tentando escrever.
-Sobre
o que?
-Sobre
a vida. Perguntas.
-Que
perguntas?
-Se
a vida tem significado. Por exemplo, se existe alguma razão porque nós fazemos
as coisas ou a vida simplesmente acontece aleatoriamente?
-Estatísticas
dizem que padrões fazem a vida ser a vida. Mensagem alegre número 2: Aproveite
o dia.
-Mas
as estatísticas tem um erro. Um erro que pode fazer com que todas elas sejam inúteis.
Pode ser um número pequeno, mas ainda assim o mínimo erro possibilita a total
aleatoriedade.
-Resposta
não assimilada. Programa de remédio: nível; duas pílulas.
-Você
já pensou se o seu trabalho ideal era falar com suicidas?
-Não
entender pergunta; muito pessoal.
-Eu
estudei o projeto, e pessoas tem que ficar atrás dessas máquinas, acatando
padrões. Você é uma pessoa. Bom dia, máquina.
-Meu
nome é Luísa.
-Obrigado,
Luísa. Isso foi muito difícil?
-As
pessoas não descobrem isso.
-Obrigado.
-Eu
também aprendi a desligar a máquina.
-A
polícia vai aparecer.
-Tarde
demais, amor.
O som da polícia subindo aquela pobre
rua da cidade era misturado com o tom do mendigo subindo a um grande
escritório. Os dois homens de terno estavam silenciosos, com medo daquela
imensa aparição. Ele usava roupas esfarrapadas e trazia consigo um grande
animal preparado em um belo prato de refeição. Ele começou a sorrir:
-Boa
noite, senhores.
-Boa
noite.
-O
senhor veio confirmar o trabalho?
-Eu
não gostei do M.A.S.
-Eu
sabia-os dois disseram. As duas vozes se misturaram.
-Os
senhores já ouviram falar de fênix? Um animal admirável que renascia todos os
anos, depois de morrer, se mantendo imortal. O deus sol grego alimentava tais
animais na sua carruagem enquanto levava o sol de um canto do mundo para o
outro. Nossa refeição hoje senhores.
Os dois não podiam desobedecer ao
chefe. Alimentaram-se, enquanto percebiam que o fogo começava a invadir seus
peitos. O fogo lentamente tomou conta de cada um deles. Eles não sabiam o que
fazer: os anos iam sendo tirado deles aos poucos, e eles iam ficando cada vez
mais jovens; até o momento em que eles pararam de existir e tiveram que começar
toda a brincadeira de novo. O mendigo sorria enquanto os anos eram tirados do
seu corpo. Ele colocava o terno, pegava o copo de uísque e fumava o cigarro. O
maldito homem mais importante do mundo.
Enquanto os polícias tentavam chegar
ao apartamento, Max respirava cada vez mais devagar:
-Sabe
a melhor explicação, Luísa?
-Sei.
Foi aquela menina.
-Não.
Foi o que ela representa. Ela representa toda indiferença de pessoas que se
conheceram. Ela representa a indiferença dos conquistadores; dos homens
consagrados de Hitler; dos escravocratas do século passado. Em um olhar de
indiferença, o mundo inteiro se transforma em nada mais que o vazio. Isso é
desesperador.
-Não
entendi.
-Você
já viu os peixes-bananas?
-Não.
-Num
belo dia de sol no mar, você pode enxergar os peixes nadando no fundo do mar.
Eles vão até o fundo onde encontram milhões de bananas. Eles comem tudo, e
quando ficam gordos não conseguem mais sair de onde estão presos. Eles acabam
morrendo.
-O
que isso quer dizer?
-Talvez
essa seja uma das melhores perguntas.
O tempo desacelerava num pano de
fundo em que os policiais desciam a esquina, enquanto Luísa corria até o outro apartamento
de Max. O mendigo sentava na cadeira de couro, olhando para os planos da mesa.
Havia um equilíbrio imenso entre tudo isso. Por um segundo, todo o sistema
das Máquinas Anti-suicídios pararam de funcionar. O M.A.S estava oficialmente
desativado.
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