Delírio Bêbado 3.
Corre
o mito que te mandaram ficar em silêncio. Você não tem direito de resposta.
Somente homens com togas brancas em sonhos megalomaníacos com o universalismo podem sonhar. O que é o sonho? De novo, eles erram. O erro está em acreditar que todos nós estamos unidos por
uma ordem linda e bela que demonstra nossa felicidade. Mas quem diabos tiveram
essa estúpida idéia de que estamos unidos por um fio imenso transformando-nos
em semelhantes? Eu quero pedir, por favor, que me tire da lista de telefone, afinal
eu nunca quis estar nesse universalismo alheio; eu tenho meu próprio plano.
-Oi.
-Oi.
-
De novo.
-De
novo.
-Mais
uma vez.
-Mais
uma vez.
-E
os ecos de tudo?
-Você
é o eco de tudo.
-Sério?
-Acho que sim. Fiquei imaginando em todas as absurdas metáforas. E você meio que faz sentido.
-Sentido?
-Sabe
aquela coisa que faz o mundo parecer que não está quebrado.
-Sentido?
-É
algo assim. Amor.
-Amor?
-Desculpa. Eu só sei falar palavras clichês. Eu não sei dizer nada além do amor; pobre
amor que remendado parece a mais absurda noção de vida. As pessoas traem, as
pessoas enganam e as pessoas mentem.
-Tudo
isso?
-Amor,
tudo isso e muito mais. Elas se acabam. Eles se destroem, sabe.
-E
você ainda lembra-se de mim?
-Mas
é lógico, você fez arte de destruir a mim.
Vocês todas fizeram. Vocês
construíram vários castelos em que eu me dizia rei. O problema é que eu era o
rei de reinos que nunca me pertenceram. Os reinos eram distantes de mim, e eu
chorava me perguntando em que mundo eu vivia; que reino era meu. Eu me lembro
de ter te amado, eu me lembro de ter respirado. Por favor, ignore o que estou
pensando, não existe ninguém em casa. Eu não escuto o que você está falando. O
mal é a fraqueza de se admitir seus medos. Não grite. Não grite. Não grite. Eu
já estou indo amor. Eu vou ali te dizer sobre a mentira que vocês disseram. A
camisa de força é amarrada, e eu começo a me desgastar; eu não consigo
respirar. Por favor, me tire daqui, eu estou sã. Por favor, eu me lembro de
você. Por isso me dê um abraço. Um beijo. Eu não peço muita coisa.
Ela sorriu. Bem vestida com uma saia
jeans e a camiseta com inscrições do smiths começou a rir. Era um riso tão alto
que abafava o som de todo o mundo. Ela sorriu como se o mundo não tivesse
comunicado a ela que a vida era tola. Ela sorriu acreditando no seu futuro. Ela
se esqueceu de tudo que você a disse. Está tudo certo porque ela se lembraria
de dezenas de páginas gritando amor. Ninguém se lembrava de páginas gritando
amor, nós apenas lembramos-nos das páginas que nos dizem acerca do silêncio. O
silêncio invade o coração.
O silêncio é aquela droga que nos é
vetada desde o começo da vida. Eles nos pedem para fazer barulho. A vida é
gritar pelo maior pedaço de espaço. Ninguém tem direito a mais do que o mínimo
de terra. A terra é a briga pela morte, mas eu não quero brigar nem matar
ninguém. Eu me recuso a fazer combate das regras que vocês estabeleceram.
Afinal quem disse que eu me interesso pela briga de vocês? Eu tenho direito ao
meu silêncio irrestrito; a minha timidez barata e devastada; quem é você para
invadir meu apartamento, não fui eu quem lhe dei a permissão. Eu te mandei
embora, mas acredite-me ainda hei de te amar meu bem. Assim que o Cartola me
dar aval para gritar amor mais uma vez e assim que Tom Jobim me dizer que está tudo
bem na esquina. Ainda espero a permissão do Drummond para deitar na praia do
sol e lhe pedir em casamento. Mas eu já sei amor que a vida é impossível. Por
isso lhe digo boa noite, bom dia e boa tarde, para finalizar o delírio bêbado
mais estúpido de um coração insólito e irreversível sobre sua resolução de não
contemplar o mundo, pois afinal ele está morrendo. E eu não quero fazer parte
dele. Assim como demasiadamente ele não faz parte de mim.
As pessoas acreditam no mito mais
estúpido construído socialmente; de que nos fazemos parte de algo maior. Algo
que nos dá significado. O problema está quando percebemos que as coisas que
realmente valem a pena nos dão significado porque elas não fazem parte desse
todo universal. É a família que acredita em você. O silêncio de pessoas que
estão em paz. O beijo de namorados no ônibus da meia-noite. É a forma como as
pessoas se esforçam em te manter vivo. É o sorriso de antigos amigos que te
abraçam. Isso não é universal. Isso é pequeno e é do tamanho de uma pequena
mosca que significa o mundo inteiro. Se o sol significa o bem e o justo, e logo
todas essas baboseiras malucas ditas por pobres homens desesperados, então algo
está errado. O desespero não pode morrer, porém pode ser contido pelo
particular que nos cura. O particular que nos salva. Com as suas mensagens de
boas vindas a um mundo fora do nosso quadro interpretativo. A uma vida que de
tanto pensar faz sentido no andar na rua. É a simplicidade que convence e nunca
os sonhos mirabolantes de homens que querem controlar-nos pela ordem e a
organização do sistema. O Sistema é fraco. E eles não respondem pela nossa
vida. Nós somos os únicos responsáveis pela nossa pobre vida. Logo acorde para
tudo que há de vir.
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