Nostalgia.


-Cadê monstros pra gente caçar?
                
Horas procurando monstros em armários, violões e em todo cômodo do apartamento. Buscando incessantemente por bonecos, sons ou qualquer coisa que mantivesse a imaginação da criança.

-Cadê os monstros pra gente caçar?

-Eles acabaram.

-Cadê os monstros pra gente caçar? Acende a luz.
            
Andava em largos quartos a procura do interruptor. Sempre acompanhando de parentes com a disposição de procurar por tais monstros. O escuro assusta. Anda devagar. Cuidado com as lâmpadas apagando e acendendo.
            
Bem. É estranho começar uma carta desse jeito. Mas não sei por que, isso me lembrou da forma como me sinto. Pensamos muito bem em tudo, de forma simples e lógica:

1.Nada era sério. Suas palavras. Não as minhas. Afinal meses e meses trazem tempo, e o tempo é um negócio muito sério.

2.Não pensa no futuro. Você está brincando, certo? Imaginei até uma criança correndo na casa. Um apartamento grande. Minhas coisas, suas coisas, tudo mais.

3.Porque você pensa em tudo isso se é tão complicado? A resposta disso é longa.

O problema é que é tudo muito complicado. Você pode optar pelos bares, pela cerveja gelada, e ser muito feliz. Talvez por mais tempo do que eu goste de admitir. Mas de vez em quando, bate aquela vontade de abraçar alguém, de ter por perto. Você até tem alguém para apertar no peito e dizer palavras bonitas, mas até quando a formula não cansa? Até quando tudo basta?

Em um minuto, você se redescobre pensando em todas aquelas besteiras sintomáticas que você me pediu para esquecer: um cenário quase utópico em que você sobe até seu próprio estúdio, enquanto as crianças cantam, você anda pelo apartamento; tem aquele negócio do terno sobre a cadeira, de tudo bem organizado, daquele clima de domingo. Cheiro de casa. Vamos pensar direito: O que nos atrai em alguém? Não é aquela vontade de ficar domingo em casa vendo filme e resmungando das mesmas coisas e piadas já contadas da semana? E ainda assim, não se sentir torturado pelo marasmo do dia-a-dia. O pior de tudo é que percebo agora que essa sensação só vem quando já passamos tempo o suficiente fora desse lugar: o sentimento da nostalgia só existe quando você deixa de estar perto daquilo que te causa o sentimento.

Acho que é isso que tenho a dizer sobre o tempo, à distância e todas essas outras porcarias das quais reclamamos e repetimos com uma insistência quase religiosa.


-Tem monstro pra caçar?

-Tem sim.

Ele sai andando pela sala.

-Você acende e apaga a luz?-Digo baixinho.

-Sim, e você leva ele até os bonecos.

Pá, pá e pá, todos os monstros estão mortos. O que é irônico, já que eles nunca se distanciam da gente por muito tempo, já que eles vivem por aqui.

            


             

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