Última conversa.
- Você vai terminar o conto dessa forma?
-Como assim?
-Sem final.
-Claro, como a gente.
-Você sabe que isso não é verdade.
-Eu sei. Eu excluí tudo. As suas fotos, seus contatos, qualquer coisa que me ligasse a você.
-Mas eu ainda estou aqui. Do que adiantou?
-Eu to matando seu imaginário. Coleciono uma casa de imaginários alheios.
-Eu vi.
-Impressionada?
-Não muito. Você ainda conversa comigo.
-Mas essa é a última conversa.
-Não é.
-Claro que é. Eu to te chutando do meu imaginário. Eu to colecionando verdades irreais. Agora eu aceito que a verdade não existe. Aceito que eu estou colecionando pessoas e lugares que não existem. Mas você não. Eu estou montando um museu de gente imaginária, e dele você não pode fazer parte.
-Porque não?
-Porque não posso. Não mais. Sabe, eu andei pensando. Sobre a separação do amor espiritual e do amor físico. E se os dois forem a mesma coisa? Eu sinto que eu sou sempre o primeiro. Sinto que eu preciso separar; preciso viver como os personagens multifacetados que de tantos amores engasgam em si mesmo. O problema é que eu sou um personagem plano. Eu sou uma reta em direção a uma razão que não existe.
-Você continua o mesmo.
-Você também.
-Acho que isso faz parte da sua criação. A minha realidade já mudou.
-Sei disso também, mas do que adianta? Eu matei o seu real, sumindo da sua vida. Agora mato seu imaginário. Mato cada lembrança, o cheiro que você deixava no meu carro. Espero que assim eu ganhe o último jogo.
-Que jogo?
-O de eu e você.
-Era um jogo?
-Daqueles de esconde-esconde. Eu tinha que te achar, eu te achei. Você tinha que sumir, você sumiu. Nunca mais te achei de novo.
-E a invasão do seu domicílio?
-Mandar seu namorado pedir hospedagem na minha casa foi ridículo. Eu nego a você ouvir sobre minha casa. Meu baixo, minha guitarra e meu violão. Os quadros na parede. Nem de segundo mão, te dou acesso a minha casa. Não, ele não vai ficar aqui. Não importa o motivo que eu disse, era mentira. Eu só queria matar seu imaginário.
-E agora? O que fica do nosso papo?
-Acho que a gente se despede.
-Sem cena no final? O avião voando, você dizendo que é melhor eu ir embora para o meu noivo.
-Não tem noivos. Nem é um final de filme italiano também. Em que eu saio, mas sabendo que vamos ficar juntos. Minha vida não é esse tipo de filme.
-Que tipo ele é?
-Eu diria aquele com o psicopata, que no final dá certo.
-Dá certo?
-Se recupera e tudo mais.
-Mas todas as pessoas melhoraram, não?
-Ao contrário, todas pioram. A grande verdade é que os poucos que melhoram, a gente sabia. Olhava intensamente e sabia que ele estava se errando um pouco. Errando um pouco para chegar aonde eles deveriam estar. E aí, tudo se acerta.
-Acho que é isso.
-É.
-Eu pediria um beijo.
-Eu te dou esse último pedido.
-Assim tão fácil?
-Um beijo final.
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