Namoros imaginários.


Olhos pelos seus óculos esperando entender seu mundo. As cores que você vê pela forma que tudo lhe aparece. Desejo ser seus olhos para assim conceber suas ações num ser lógico. Ou ilógico. Quem sabe.

Somente são óculos e sou completamente separado deles. A cor dos seus óculos escuros me retira do seu mundo. Sou expulso do quarto que nos une, mas eu só queria ficar por mais alguns segundos. Soube que você iria embora: quando, quando e quando.

Percebo então que você não foi. Continua no meu peito. Retirando seu corpo, resta apenas à metafísica. A metafísica morre, pois ela se funda no corpo. Separação é pura metafísica e ela morre, mas eu sei que ainda te amo.

Percebo a efemeridade do tempo que passamos juntos, por isso decoro seus olhos e contorno. A partir deles, te reconstruo.

Vivemos de reconstruções que guardamos na memória. No fundo, estamos construindo um lago de memórias; um lugar que faz parte do que somos. Um lugar para mergulhar quando entrarmos em pane. Quando chover demais. Quando quebrar a última esperança. Ainda temos um lago.

Lembro de querer dizer eu te amo. Uma. Duas. Três. Não podia, estava proibido pela sua reação. Era um acordo tácito. O máximo que pude dizer: com o tempo, eu te amaria muito.

C-O-M-O-T-E-M-P-O.TE.AMARIA.MUITO.

Com o tempo: Já amava, mas precisava disfarçar minha tolice.

Te: um pronome feito para qualquer história romântica, desde a fundação de Romeu e Julieta.

Amaria: palavra fora de moda, fora de tempo.

Muito: Aqui fica complicado. Podemos estar falando de dias, meses ou anos. A qualidade pode importar mais. A intensidade. Possivelmente tudo junto.

Conversa 1:

-Você e eu namoramos.

-Como assim? Você nunca me beijou.

-Saímos todo sábado à noite. Conversamos de oito da manhã a meia-noite. Namorados imaginários.

-O beijo faz o amor. E isso é de outros.

-Você não percebeu? Só falta o beijo.

Ele finalmente a beijou.

-Porque eu fui tão chata? Eu gosto de você.

Porque.Porque.Porque.

-Você ainda não olhava que as coisas podiam começar ao contrário. É só esquecer o que te dizem que deve ser.

Conversa dois:

-Você quebrou o contrato.

-Mas era só um contrato...

-O corpo é seu, eu sei, mas...


-mas?

-Se você procura outra pessoa, o imaginário eu e você vira eu, você e a terceira pessoa.

-Mas é só corpo.

-Corpo funda imaginário.

-Você reconsideraria?

-Não, mas sei que estou errado. Mesmo sem a quebra de contrato, não controlo seu imaginário. Mas...mas...mas...

-Mas?

-Você domina o meu.

-Três doses de vodca, vinte giros e dissemos sim ou não.

Um. Dois. Três. Não, sim. Respectivamente.

Conversa três:

-Porque você faz isso?

-Isso?

-Digo mulheres comprometidas.

-Casadas, noivas, namorando. Nunca solteiras.

-Vingança?

-Quase isso. Quase amor e tudo mais. Tem sido tudo que tive. Eu fico na beira de ter a evidência do que quero, sete.

-Sete?

-Um número. Nomes têm poder.

Conversa quatro:

-Quando você soube?

-Sempre.

-Como?

-Você nunca falava. Eu dizia tudo: te amo, te quero e te enxergo.

-Isso não diz nada.

-Diz tudo. Repetimos isso para lembrarmos o que sentimos.

-Eu gosto de você.

-Eu sei.

-Não sabe.

-Sei, mas você não quer nada além disso.

-Tudo bem.

-T-U-D-O-B-E-M.

Tudo bem: Não está tudo bem. Nada bem. Ele temia aquilo desde que soube.

Conversa final:

-Você mudou. Completamente.

-Eu sei.

-Ela queria casar com você. Porque não?

-Porque não faz sentido.

-O que?

-O jogo todo. Ela queria recuperar o que tínhamos naqueles dois anos. Tinha se perdido.

-O que?

-A presença cruel do tempo.

Mas eu ainda te amo.

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