Os deuses, os homens e o universo.

O garoto levanta. Ele tem 10 anos de idade. Está num quarto escuro sem nenhuma supervisão. Um parque de diversões imenso e o pobre garoto preso num banheiro, quando o lugar já estava fechado. O maior homem do mundo, que não deveria nem estar entre os dez maiores homens do mundo, segundo o livro de recordes, estava entrando no quarto. Ele olhou para o garoto e perguntou o que o pequeno garoto fazia ali:

-Eu me perdi da minha mãe.

-Vamos falar com o dono do circo. Ele vai achar a sua mãe. Pode parar de chorar.

O homem de dois metros usando uma roupa de homem das cavernas levou o pequeno garoto, de olhos profundamente negros, para a barraca principal. O anão que comandava o circo esperava ansiosamente pela mulher de barba; suas expectativas foram frustradas pelo pequeno garoto entrando na tenda. O anão usava um terno roxo, enquanto o garoto usava uma roupa toda preta pelo corpo, o que lembrava um enterro. O anão parecia ter visto um fantasma quando o pequeno garotinho entrou:

-Você.- Ele parecia tremer.

-O que foi?

-Você não deveria estar aqui. A promessa para o outro plano. Você prometeu nunca voltar.

-Eu mudei de opinião. Eu quero mais um mês com ela.

-O que?

-Você me escutou.

-Você sabia quando você fez o acordo. - A sombra do anão tinha se transformado num monstro imenso com garras e presas afiadas. O homem mais forte do mundo não era o mais corajoso. Logo, ele foi embora assim que viu a sombra bizarra refletida na tenda.

-Eu sabia, mas eu quero mais tempo. Eu quebrei a figura da deusa e a trouxe para esse mundo. Eu devo isso a ela.

-Você sabe que não é assim que as coisas funcionam. Você tem sorte de estar vivo. Onde ela está?

-Ela está em coma. Ele está tentando trazê-la de volta para a imagem. Eu preciso de tempo e você sabe a única forma disso se transformar em realidade é te matar.

O garoto trazia uma faca escondida na sua camiseta e calças negras. O anão já tinha sumido, e a sombra do monstro tinha adentrado o quarto inteiro. Urano era o deus grego que tinha criado o tempo. O mundo passou a existir quando Gaia criou seu próprio companheiro no céu. A vida passou a existir quando Gaia e Urano, terra e céu, se juntaram todos os dias e criaram os primeiros filhos dos deuses. As gerações passaram a existir. O garoto sorria com a sua pequena faca: um presente de Gaia. Era uma faca diferente, ela era totalmente branca e lembrava uma foice. Sem hesitar, o garoto pegou a longa faca e enfiou na sombra. Normalmente, você esperaria que a sombra não sofresse nenhum efeito e continuasse a mesma. No entanto, a sombra começou a soltar um ruído intolerável e desapareceu. O garoto tinha ganhado tempo para ir até o chefe, e pedir um novo acordo.

Dois jovens estavam deitados sobre um pequeno pano num parque imenso. O céu estava se pondo, e as árvores ganhavam um belo tom de cor de folhas de outono. O céu daquela cidade era incrível pela falta de prédios ao redor do parque. Os olhos de ambos estavam brilhando:

-Eu tenho um segredo para te contar de presente de namoro. - Ele disse com ânsia nos olhos. Ele vestia um belo terno por cima da camiseta branca, e tinha longos olhos negros.

-O que?

-Eu tenho que te contar que quando eu era jovem uma aranha radioativa me mordeu-. Depois que ele falou, ela silenciosamente afastou o rosto dele com suas pequenas mãos.

-O que? Com grandes poderes veem grandes responsabilidade.

-Para de brincadeiras. - Ela disse.

-E se eu te falasse que você é uma deusa grega?

-Para de brincar!

-E se eu te falasse que seu nome significa se esconder, e que por anos você ficou presa numa dimensão longe do tempo e do espaço. De tempos em tempos surgia um herói e você o amava até o momento que ele iria embora segundo ordem dos deuses gregos.

-Continua.

-Eu te resgatei. Roubei sua imagem dos deuses e te transformei numa humana sabendo do nosso curto tempo junto.

-Por quê?- Ela estava achando a história um pouco real demais e um pouco estranha demais para um aniversário de um mês de namoro.

-Eu não aguentava te ver naquele lugar presa para sempre com pessoas indo embora. Vivemos num lugar em que o tempo virou nada, e as pessoas passam na nossa vida em segundos. Elas vão embora. Eu olhava você presa naquela ilha vendo heróis indo embora pelo poder dos deuses; um atrás do outro. Assim que eu vi sua imagem, eu sabia. Eu sabia que eu quebraria sua imagem e desafiaria os deuses mais uma vez.

-Mas quem é você?

-Eu sou seu namorado. Por um mês. Isso é um sonho. Você está em coma. Eu te trarei de volta. Eu prometo.

Ela começava a chorar e a cena começou a desaparecer. Um pequeno menino esperava na sua cama silenciosamente. Ele chorava com seus longos olhos negros observando o rosto de uma bela mulher. Ele repetia a si mesmo que deuses não se rebaixavam aos humanos. Ele repetia a si mesmo que ele poderia ir embora. Ele deveria ir embora, mas ele não conseguia. Ele amava aquela mulher. Ele iria atrás de Zeus.

Na cidade sombria se escondia uma montanha no final de todas as estradas. Por algum motivo estranho, ninguém tinha coragem de visitar aquele lugar. Nenhuma criança se divertindo, nenhum casal namorando, era um lugar totalmente vazio. O garoto subiu até o topo da montanha, enquanto trovões derrubavam árvores próximas da sua caminhada. Ele estava chorando. Seus olhos negros se misturavam com as imensas gotas de chuvas que caíam do céu. Ele pensava consigo mesmo como a situação era ridícula. Ele somente tinha roubado uma pequena estatua, e feito um plano. Uma árvore quase o matou ao cair em cima do seu corpo, porém ele não era um humano normal.

Quando chegou ao topo, as nuvens eram visíveis e ficavam lado a lado com a altura daquela imensa montanha. O barulho era ensurdecedor e os trovões simplesmente vinham aumentando conforme sua escalada. Enormes tigres surgiram em cima das nuvens, e começaram a rugir com toda a força. O maior deles tinha uma forte cor amarela e parecia falar algum dialeto estranho. Os outros dois ao seu lado tinham cores marcantes: um era totalmente preto, o azarado, e o outro era totalmente branco, e seu apelido era mafioso:

-Você veio até aqui?- Disse o maior deles.

-Vim.

-Você vai morrer. Sem mais acordos. Você não é um deus.

-Ainda assim, você não consegue me matar. - A criança sorria. Uma pequena criança desafiando um imenso tigre em cima de uma nuvem. Era notável.

-Sua sorte acabou. Eu invocarei o maior dos heróis, e você estará morto.

-Morto- Disse o azarado.

-Morto- Disse o mafioso.

-As leis dos deuses pedem que eu tenha uma condição.

-Você não é um deus. - Disse o maior.

-Mas eu não sou um humano. Eu peço com que você a liberte de volta ao nosso plano se eu derrotar seu pequeno herói.

-Você é um homem morto. Homens mortos podem ter pedidos que nunca vão ser cumpridos. Insolente. - Um homem havia surgido na frente do garoto vestido como um espartano indo à guerra.

-Você é um tolo, chefe. - Azarado, mafioso e o pequeno garoto disseram ao mesmo tempo.

O herói grego Hércules se encontrava frente a frente do pequeno garoto. Seus olhos azuis claros mostravam que ele era apenas um zumbi; uma figura de quem já foi um grande homem. A luta era totalmente injusta e dentro de segundos o herói já havia praticamente matado o pequeno garoto. A espada passou pelo braço inteiro da criança, e ela percebia que o herói tinha o poder de matar um deus. O garoto desesperado começou a falar:

-Eu sei onde ela está.

-Quem?-Hércules falava enquanto sangue estava sendo tirado da criança.

-A mulher que os deuses prendem. Eu sei onde ela está. Você não precisa acreditar nas vazias promessas do gatinho ali em cima da nuvem. Ela está no tártaro.

-Você só pode estar mentindo.

-Eu tive que sair do tártaro, garoto. O total caos. Ela está nesse local presa por correntes e um cachorro infernal. Nada que um garoto com um belo penteado como você não consiga resolver.

Hércules se distraiu por um momento, e o pequeno garoto aproveitou para derrota-lo. Os tigres no céu estavam com raiva. Gritando. Querendo a morte dos pequenos olhos negros.

-Um acordo é um acordo.

O maior tigre caiu das nuvens e mordeu o pequeno garoto, porém antes lhe deu uma pequena estatua com as sábias palavras:

-Isso não garante que ela vá ficar com você. Isso lhe dá liberdade. Ela nunca saberá quem você foi. Ela nunca saberá que você foi seu herói. Você nunca era o herói da mitologia, era um simples monstro. Aceite o fato. Você está revivendo uma mulher que está destinada a te odiar.

- Eu sei, chorão.

Zeus, transformado em sua forma humana, passava a mão na cabeça do pequeno garoto. Deuses entendem melhor do que o esperado os simples sentimentos humanos. A mitologia grega cria deuses que se parecem com os humanos: fracos, cheios de paixão, criadores de guerra e caóticos entre si. Platão tentou eliminar os deuses gregos, porque eles não eram perfeitos, mas talvez seja isso que tenha feito deles deuses humanos: a imperfeição.

Um homem mais velho vestido de um terno preto começa a explicar para sua turma sobre o mito de Circe e Calipso. O professor começou a dizer que ambas estavam presas em ilhas, esperando por salvação. O professor não conseguia tirar os olhos de uma bela aluna que sentavam na primeira cadeira. Ela tinha longos olhos claros, e o professor estava completamente apaixonado. Na tentativa de impressionar a estudante, ele começou a comparar o modelo mitológico grego com o amor nos dias de hoje segundo um dos seus autores favoritos:

“No mundo da troca, quem está errado é quem dá mais; o amante, porém, é sempre o que ama mais. Ao mesmo tempo em que seu sacrifício é glorificado, zela-se ciumentamente para que o amante não seja poupado do sacrifício. É exatamente no amor que o amante fica sem razão e é punido. A incapacidade de dominar a si mesmo e aos outros, de que dão provas seu amor, é motivo suficiente para lhe recusar satisfação. Com a sociedade, reproduz-se de maneira amplificada a solidão. Esse mecanismo prevalece até mesmo nas mais ternas manifestações do sentimento, a tal ponto que o próprio amor, a fim de abrir um caminho qualquer até o outro, é forçado à tamanha frieza que se destrói com a própria realização. A força de Circe, que submete e reduz os homens à servidão, convertesse na servidão do homem que, pela renuncia, recusou a submissão. A influência sobre a natureza, que o poeta atribui à deusa Circe, reduz-se ao vaticínio sacerdotal e à prudente previsão de futuras dificuldades náuticas.”

A turma ecoa com as belas palavras do professor. O barulho das palmas invade a pequena sala, mesmo que a maioria tenha sido feita com a o intuito de que a aula acabasse. A bela aluna vestia uma saia pequena e um pequeno casaco azul claro. O professor pedia para que ela o esperasse na pequena praça da faculdade. A desculpa é que havia tido um pequeno erro nas suas notas, e ela precisaria de um tutor em mitologia grega.

A bela garota sentava com as pernas cruzadas num banco entre ás árvores. O professor estava na frente do prédio da faculdade, quando dois alunos pareceram surgir do nada. O maior deles era totalmente branco e vestia um terno italiano com muita graça. O outro tinha fortes traços africanos e vestia uma roupa que um rockeiro dos anos 80 usaria. Os dois tinham começado a falar com o professor ao mesmo tempo:

-Você nunca vai ter ela. Ela é uma deusa grega para os heróis. Eu já fiquei impressionado de você conseguir roubar ela de Zeus, mas agora o jogo acabou. - Disse mafioso.

-Você sabe que ela só ficará com um herói. - Disse azarado.

Por um segundo o homem olhou para os dois como se tivesse visto um fantasma, mas logo depois falou francamente:

-No mundo hoje em dia, você não precisa ser um herói. Você só precisa fingir ser um. Não sei se era tão diferente assim na antiguidade.

Os dois olharam surpresos ao saber que ele ainda tinha guardado a memória sobre tudo.

-De qualquer jeito, o que você espera conseguir com isso? Cem anos e você estão mortos. Você ainda não pode controlar se vocês vão se mantiver juntos. É terrível. Ela pode ir embora da praça a qualquer momento. Você não sabe o quanto vai ter que esperar por finalmente viver com ela. Vocês dois perderam a imortalidade. –Mafioso sorria.

A bela aluna saiu andando da praça como se nunca fosse voltar.

-Mafioso, azarado, vocês sabem qual o problema? Vocês não lembram que monstro mitológico eu era. Eu vivi milhões de anos preso num labirinto sem nunca lembrar quem eu era ou o que eu tinha que fazer. Eu esperava ansiosamente pelo dia que eu tivesse minha liberdade. Conhecer alguém, namorar, amar eram ações impossíveis. No lugar em que eu vivia, tudo era infinito. Um dos únicos monstros que aceitou feliz a vinda do herói ao seu encontro. O labirinto das vozes humanas era um inferno. Tudo era continuo e não havia nenhuma saída. Aguento esperar por ela. Um mês, um ano, o quanto que for preciso. Se tudo acabar, pelo menos eu fugi do labirinto. O labirinto do eterno.

Os dois homens sumiram como num passe de mágica e a última coisa que o professor viu, antes do céu se iluminar de raios, foi uma aura indo embora ao redor da mulher enquanto ela se transformava numa mera mortal.

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