Desabafo.

Nunca vou entender a capacidade do mundo de transformar tudo tão radicalmente. Encher algo de felicidade para logo depois roubar tudo aquilo do fundo do seu coração. O mais cruel não é a falta de felicidade, e sim a falta de felicidade para aquele que já a conheceu. Se Einstein estava certo, o tempo e o espaço são curvos. Não existem mais linhas retas. Se levarmos Nietzsche a sério, não existe natureza humana. Não existe razão. Não existe linha reta do tempo. As garantias vão embora. Elas talvez nunca tenham existido. Mas por um segundo e, somente, um segundo, existiu algo, logo isso significa alguma coisa. Como a falta de explicação porque o tempo e a matéria deixam de existir num buraco negro, porque diabos conseguimos encher nosso coração de algo tão bobo como amor. Talvez não seja necessária uma verdade ou uma ordem universal para sermos felizes. Nós precisamos de alguma garantia. Algum lugar em que segurar numa tempestade.

Eu passei boa parte da minha vida acreditando que esse lugar era uma pessoa. Eu estava enganado. Não poderia ser uma pessoa em que criamos toda nossa dependência e enxergamos nosso reflexo num espelho quebrado. Não. Eu me nego a isso. O lugar que temos para nos agarrar é uma lembrança. Uma sensação que já existiu uma garantia em algum lugar do nosso corpo. Os primeiros filósofos a falar sobre a realidade como uma garantia usavam o simples argumento da intuição. A intuição me leva a acreditar. Nenhuma garantia racional pode provar muita coisa, mas temos a intuição de que existiu algo. A bomba no nosso peito se acelerou num descompasso e por um momento sem tempo definido erámos felizes. Se nos segurarmos com força o suficiente, não escutamos o som do vento batendo contra o barco quando nos agarramos nessa pequena noção. Não precisa gritar. Eu estou aqui. Nunca fui embora. Nossos velhos parentes mortos estão em algum lugar, mas não acredito que seja no céu ou no inferno. Lugares em extremos não prestam. Eu acredito num lugar no meio. Na perfeita medida aristotélica. Eu tenho que acreditar em alguma coisa. Na mais besta e simples noção da intuição de que alguma vez meu coração já se descompassou com o resto do corpo e me fez acreditar em qualquer coisa que vá além do mero físico. Um último filosofo grego que lembra do nascimento do mundo do abismo fundo sem qualquer ordem, até o nascimento de Gaia. Um mito que nunca existiu fora da imaginação.

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