Gatos.

É uma ruela escuta, numa cidade cheia de pessoas sem rostos. O garoto de 15 anos entrou com uma roupa gasta. A chuva caia cada vez mais forte, na medida em que ele adentrava o pátio a céu aberto. Ele chorava, ou era pelo menos isso que todos os amigos esperavam que ele estivesse fazendo. Ele tinha saído correndo desesperado. O dia era ensolarado, até o momento que ela começou a dizer aquelas palavras. Num silencio quase sem fundo, ele parou de escutar. Era como se um véu escuro adentrasse o bar lotado de pessoas e criasse um vácuo. Tudo que ele sentia eram partículas no ar tomando cores sombrias e adentrando seu ao redor. Ele não conseguia respirar. Era como estar preso num plano alheio ao mundo, mas ao mesmo tempo pertencente a ele. Quase sem ar, ele acordou. Tudo tinha mudado. Ele precisava ir embora, até a pequena ruela onde os gatos esperavam. Havia um chamado no ar, e enquanto ele chorava a própria chuva começou. De alguma forma estranha, ele tinha criado aquela chuva. Toda gota era sua, assim como cada nuvem era ele mesmo. Não adianta tentar racionalizar isso, porque já não fazia sentido pensar fora daquele plano que ele havia descoberto.

-Então você voltou?

-Voltei.

Um gato negro envolto de uma caixa de papelão saltou e olhou-o com força:

- Eu disse que ir embora não adiantava. O mestre falou que você não deveria ir embora.

- O plano eram vocês?

-O lugar escuro era você mesmo, você bem devia saber disso. O mestre te avisou sobre seres plenos no mundo material. Nunca dá certo.

- Mas eu estava feliz. E o que é ser pleno naquele lugar branco sem imagem. É estressante.

-Ele disse que você diria isso. Você veio com os planos?

-Sim, está tudo escrito. Como entrar na casa dela, os contatos, os explosivos. Tudo.

-E você vai boom?

-Boom?

-É, boom. Essa era nossa esperança.

A última fala tinha surgido de uma lata de lixo, e era um gato extremamente branco. Parecia um gato saído de um filme mafioso antigo. Era bizarramente branco, com olhos verdes penetrantes. O menino resolveu chamar o gato preto de azar, e o branco de mafioso.

-Então, o que temos aqui? Ele vai explodir?

-Acho que sim- Disse o azar.

-Não vou, eu decidi que não vou.

-Como assim?

-O mestre disse que ele falaria isso.

-Eu não vou explodir nada.

-Mas e o equilíbrio? Ele está quebrado.- Azar disse com razão.

-Eu fiz outro plano.

-Azar, ele vai roubar a parede de volta.

-Você está brincando?

-Não.

-Como você vai roubar o outro plano da casa dela?

-Agora, está no bar. Se eu conseguir tirar do bar. Estarei salvo.

Os dois gatos pularam no menino, desferindo garras. Ele estava sangrando. Com rapidez, pegou os dois gatos no colo. Correu até o bar, onde todos seus amigos não entendiam sua volta inesperada. Com dois gatos? Ele estava ficando maluco. Não tenho tempo para falar. Ele a ouviu falando e gritou agora! AGORA. RÁPIDO. A sala mudou de cor, e todos os amigos desapareceram do recinto. Os dois gatos ficaram gigantes e sentaram numa cadeira. Numa escrivaninha no centro, havia uma grande placa: “O chefe”.

O menino correu até ele, e viu que ali esperava um homem velho adormecido com um terno. Ele acordou, e trovões pareceram sair da sua boca:

-Você me acordou. Espero que esteja feliz em ter sua garganta cortada nos próximos: Três, dois, um...

-Espera! Eu vim aqui com uma proposta.

-Proposta?

-Uma proposta irrecusável.

O homem velho levantou e tirou uma faca que logo após enfiou na barriga do garoto:

-Bem, isso foi maduro. Como se fosse adiantar de algo esfaquear um ser que não pertence a esse mundo. - Nada aconteceu, e o sangue não jorrava.

-Você é desse plano.

-Eu não sou de nenhum dos dois planos.

-Porque diabos você resolveu voltar? Humanos são voláteis e tolos.

-Porque ser pleno na perfeição é uma babaquice. É como ser branco no branco. Não tem graça nenhuma. O troço do negócio é estar na impureza do branco, babaca.

-Tudo que eu escutei foi à mesma palavra milhões de vezes.

-Tudo bem, eu quero te propor ficar daquele lado. Para sempre.

-Em troca do que?

-Você não a mata.

-Mas o sangue, você prometeu. A bomba explodindo. BOOM.

-Eu fico lá e morro. Como um ser humano. Temos um acordo?

- Sua reencarnação budista não vai gostar disso.

-Ele não tomava banho, nem comia. Eu tenho todo direito de fazer o que quiser.

-mas era pela iluminação!

-Iluminação o caramba. Folhas por três meses. Tente aguentar você.

-Temos um acordo?

-Temos.

O velho tirou do seu terno uma faca longa. Tinha as inicias do serviço militar alemão. Parecia um presente de um amigo. Naquele plano, o tempo era algo confuso. O budismo, os fascismos e o capitalismo pareciam às mesmas coisas quando sentado naquela cadeira; os tempos históricos não importavam. O homem parecia cansado, prestes a desistir. A faca enfiou no coração do garoto, e ele sangrou até todo seu corpo estar seco. Ele, então, levantou e disse adeus aos dois gatos gigantes sentados:

-Espero que não tenhamos nenhuma briga.

-Agora que você é humano, tudo acabou, sabia. - Disse o azar.

-A perfeita chance de explodir tudo, e ele vira uma garotinha. Você me enoja-Disse o mafioso.

-Lembra quando ele disse que ia destruir o mundo? O ser pleno puro descascado num sanguinário sem alma. Bons tempos aquele, mafioso.

-Bons tempos, Azar.

O garoto se levantou e foi levado até a porta. O abismo que separava ele e o mundo real era como uma caída de 20 andares. Sem pensar, ele saltou naquela porta estranha. Quando estava de volta, tudo que escutou foi a sua ex-namorada gritando:

-Você não pode morrer do coração, só porque eu terminei com você. Você não pode.

Médicos traziam os aparelhos. Milhões de ondas elétricas iam percorrendo seu peito. Mafioso e o azar pareciam rir muito. O maldito humano vai morrer. Coração explodindo. Aumente a carga elétrica. O batimento está voltando. O menino começou a olhar triunfantemente sobre os gatos. A ex-namorada parecia desesperada. Foi por causa do termino do namoro, ele tem coração fraco. Eu disse que não o amava. O amigo dele está comigo agora. Estamos bem. Abrace-me forte. Eu o amo, mas não aguento. Ele parece de outro lugar. Humanos sempre buscam racionalizações inúteis. Completamente inúteis.

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