Carência.


Você tem uma carência dentro de você, que tenta esconder. Você não percebe que o quanto mais você esconde, maior ela fica. Faz questão de tornar ela algo escondido, se satisfaz em corpos que encontra pela avenida da vida, espera que isso resolva tudo, que isso cause espasmos de liberdade nessa prisão. Não percebe que a prisão está longe do seu corpo, longe do tátil. Está localizada bem perto do pulmão, do lado do coração, um pouco afastado da barriga, sua alma está carente. Você prefere correr, sem se aproximar de ninguém, falando a si mesmo silenciosamente que não existe carência; que você não precisa de ninguém. Você quer gritar isso, sua independência, como se fosse uma heroína, mas isso te corrói aos poucos, levando o que tem de belo para o fundo, o que de carapaça para fora. Você quis me assustar, eu não me movi. Eu nunca vou me mover. Você terá tantos quanto quiser que façam seu corpo e o tátil alegre, mas talvez poucos vejam o que eu vi. Veja o quanto no fundo da sua sombra existe uma alma carente, que prefere se despedaçar a admitir qualquer coisa, mínima que fosse da sua dor. Não aceita essa dor, recusa qualquer ardência, perde sentido na respiração de cada dia. Nada posso fazer agora, não adianta continuar gritando e pedindo, o silêncio do amor vai ser meu esconderijo. Você espera que sua imagem suma, que eu não pense mais em você, existirá outras que me amaram, ou que eu amarei, mas eu não vou esquecer: eu nunca esqueço. As palavras correm de mim, pedindo desesperadamente que eu as entenda, que eu te entenda, sabendo que de nada vai adiantar: o grito, o desespero, o livro, o poema, a rua. O que vai adiantar é saber da sua carência nunca aceita, que provavelmente ninguém vai mais enxergar, porque eu procuro a natureza humana crua, seja no corpo ou na alma, onde ela esteja. Eu sei de você. Eu sei que isso te assusta, e que você vai correr o mais longe. Eu não vou correr atrás, eu simplesmente não vou me mover de lugar. Parado no instante de amor que sempre vivo, por toda amor que foi e será, eu me manterei como inconstante parado num ponto fixo: esperando pelo dia que você entenda a carência. Nunca ficaremos juntos, mas quem disse que o juntos é tão bom de qualquer jeito? Prefiro a sorte do acaso entregado, da dor desesperada, da vida despedaçada, de descobrir em novas palavras, uma nova vida. Não se preocupe, continuarei no meu único ponto físico zero, zero, zero e zero: amor e ódio.

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