O tempo.

O tempo na verdade consiste numa simples peça de teatro criada por pequenas pessoas bem espertas, que acharam que tentar organizar algo inorganizavel seria produtivo para a realidade. Assim foi, que as pessoas começaram a acreditar que tinham que seguir uma corrente de acontecimentos segundo um horário definido: o horário para comer, dormir, pensar, chorar, viver. Delimitaram tempo por tempo, as coisas que tinham que ser feitas. Enganou-se que o tempo não era uma criação humana, e sim um fato bem estabelecido, Fizemos templos para o tempo, que tão sabiamente chamamos de relógios, e neles passamos a acreditar como um símbolo religioso. A grande questão é que acordamos desse transe eventualmente, quando percebemos que os acontecimentos têm seu próprio compasso. Não conseguimos forçar o acontecimento no tempo do relógio, porque ele já tem um plano para si. Quantos de nós não quiseram que o tempo tivesse parado por alguns segundos, somente para que a cena não passasse no próximo rolo de filme. O tempo nesses casos tem um acesso de crueldade instantânea em que resolve nos torturar da pior maneira possível, ele acelera em quadros o que deveria durar mais tempo, e contra a vontade do vivente passa o momento numa velocidade intolerável, como se ele tivesse uma vingança pessoal contra cada um de nós. A justiça mais sarcástica do tempo é que ele da mesma maneira que acelera consegue desacelerar quando lhe apraz. Na necessidade de alguém por perto, de uma ou outra pessoa em especial, ele injustamente segura o horário em horas, dias, meses, anos. Ele sorri da sua mesa de madeira pensando em como lhe diverte ver os momentos andando em câmara lenta, quase parando, uma tartaruga se movimentando passo em passo tentando passar por lesmas escorrendo pelas paredes. O velho relógio da parede sorri entusiasticamente enquanto vê os sobreviventes dessa espera na agonia do momento, se contorcendo pela ira do seu mestre, que tão sabiamente controla os compassos da vida. Nessa promessa do momento que está para vir, homens reclamam com o tempo, fazem petições para que ele se comporte de maneira organizada: horas, dias, meses, anos, eles pedem desesperadamente. O tempo olha como quem não quer irritar os viventes, mas da mesma forma com um desdém de entendido no assunto. Ele ri e os ignora por completo, sem pesar as esperanças dos que derramam seus prantos sobre ele. Diz gentilmente que eles não entendem que essa maneira de agir faz parte do que eles devem sentir, e não essa maneira organizada, e assim se cala para nunca repetir outras palavras.

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