Nada.


A menina tinha olhos verdes cinzentos, longo cabelo preto e bela silhueta. Usava um belo vestido azul colado no corpo, e era uma imagem desejável a qualquer homem. Ela entrou no intervalo em que alguém abre a porta e entra no elevador, o morador a viu, mas resolveu ignorar a bela menina entrando no prédio. O prédio era um dos mais antigos da cidade, tinha 12 andares. Ela subiu as escadas uma por uma, como se estivesse indo no dia do seu julgamento. Ela abriu a porta que dava para o telhado, dias antes ela tinha colocado um esparadrapo para que a porta nunca trancasse. Sorriu triunfantemente enquanto percebia que a porta estava aberta, ela finalmente teria uma chance de se jogar.

Ela sorria de orelha a orelha, ela parecia ter ganhado algum campeonato nacional. Ela correu em direção ao fim do telhado do prédio, quando viu um homem sentado no parapeito, com dois grandes olhos negros a vendo. Ele tinha os pés para o ar, e o corpo ainda preso ao prédio. Ela ficou assustadíssima por aquela cena, aquela homem a assustava de maneira maluca. Ele tinha longos olhos negros, cabelos desgrenhados, mas o mais impressionante era a sensação que ele passava de poder ver através das pessoas, ele via tudo aquilo como um jogo de cartas dado. Ela gritou quando viu o homem naquela posição, parecendo que ia cair. Quando se recuperou, ele deu um meio-sorriso esperando algumas palavras delas, mas o que ele ganhou foi ela correr até a ponta do parapeito. Um segundo antes que ela caísse, ele a segurou pela cintura e a impediu.

Quando ele levantou para pará-la, ela percebeu a camiseta de uma banda antiga e um sobretudo. Ela ficou inquieta por minutos, se debatendo incessantemente nos braços daquele enorme homem. Depois de um tempo indeterminado daquele jogo de briga, e resistência, ela desistiu e sentou no chão do telhado. Ele então disse:

-Sabe, todas as pessoas tem direito a um pouco de felicidade ou pelos menos um estomago cheio- Enquanto passava um sanduíche a suas mãos.

- Porque você me impediu? Não era seu direito.

- Eu não acho que você tenha bons motivos, nunca vi alguém tão bonita na minha vida.

-Bem, obrigada, é o tipo de coisa que não se espera escutar quando você está prestes a se matar. Isso não muda nada, ao contrário, é parte do motivo.

- Agora beleza virou motivo de suicídio? Entendi bem, você sempre teve tudo que quis, e agora que teve algo recusado, vai desistir?

- Não é isso, bem, eu tenho direito a ter meus motivos, certo?

- E eu tenho direito de ter parar. Estamos num mundo quase livre, ou pelo menos aqui em cima, mais livre.

- Eu vou voltar, e você não vai estar sempre aqui.

- Quer colocar seu dinheiro nisso, ou melhor, sua vida?

Ela morreu de raiva, mas teve que aceitar que aquele homem era inflexível. Ele tinha uma maneira extraordinária de não precisar dizer todas as coisas, eles passaram o resto da noite quietos. Ela foi embora, e logo após ele foi embora. Ela passou dias pensando sobre aquele homem, e decidiu que planejaria tudo de novo, mas dessa vez ele não estaria no parapeito do prédio a impedindo. Ela sabia que podia ter escolhido outro prédio, mas talvez inconscientemente ela tenha gostado do desafio.

Ela andou pelo térreo do prédio, esperando que ele estivesse por perto, que pudesse gritar cheguei primeiro ou qualquer coisa do gênero. Ela sorriu para o porteiro, e ele abriu a porta sem se perguntar da origem da bela garota. O sorriso dela era capaz de convencer Hitler a não atacar a Polônia. Se houvesse o medo de uma terceira guerra mundial, valeria apostar que seu sorriso podia impedir o conflito de acontecer. Depois de uma olhada no sorriso dela, aquelas mulheres de filme sorridentes pareciam simplesmente sem graça nenhuma. O porteiro nunca teve nem a chance. Ela subiu pelo elevador, que parou no andar antes do telhado. Ela passou pela entrada aberta, e correu. Ele estava no mesmo lugar, com o mesmo rosto assustador, ela gritou:

- Você não tem uma vida? Porque você vem aqui todo dia?

- Eu venho nos dias que você aparece.

- Tão piegas assim, não tem uma melhor resposta?

- Eu preferi isso a penso em me matar sempre, então venho até aqui e coloco minhas pernas para o ar e respiro um pouco. Eu deito e vejo as estrelas, e espero por dias melhores. Dia por dia, eu sobrevivo um pouco mais, eu quero um pouco mais. Por isso, eu não posso deixar uma menina esquelética absurdamente linda correr como uma louca e cair de um prédio de doze andares.

-Meu deus, você não podia ter ficado com um simples só venho para apreciar sua beleza? E afinal, porque você pensa em se matar?

- Por causa do nada.

-Nada?

- A coisa que é diferente de tudo, antítese.

-De novo, eu sou mais velha do que você pensa, me diga o porquê.

- Eu não tenho nada na minha vida, não vejo motivo para continuar.

-Uma família, um trabalho, um amor?

-Sim, sim, você. Ainda não enxergo aonde você quer chegar, eu ainda tenho nada.

- Obrigada pelo você, mas nunca sei dizer se é uma piada. Você não tem nada? Quem vai me impedir?

- Olha, do que me adianta todas essas coisas, se eu não consigo ser o melhor no trabalho, com a família, com você.

- O que te impede então de se jogar?

- As estrelas, eu sempre penso que seria um crime inumano se matar com estrelas brilhando tão forte no céu. Eu não poderia permitir crime tão feio.

- Estrelas? Você realmente é ridículo.

Nessa hora, ele ficou em silêncio e estendeu uma manta antiga feita á mão. Ele a mandou deitar, e os dois passaram horas olhando para o céu. Ao sair, ele disse rasamente quase que de brincadeira: Corra, e olhe o céu, que o sol vem trazer bom dia. Ela riu no caminho até em casa.

Uma semana se passou, e ela já tinha se acalmado. Ela ainda pensava em se matar, mas agora não era algo constante na sua vida, não era uma realidade imediata. Ela começou a subir no prédio para poder enxergar aquele estranho homem. Ela entrou pela garagem, o carro que passou nem percebeu a bela menina com um jeans gasto passando pelo caminho. Ela subia as escadas correndo, ele estava no mesmo local de sempre, com o tolo olhar de quem achava saber de alguma coisa. Ela rapidamente sentou ao seu lado, dizendo com voz de sussurro:

- Eu já te vi em algum lugar antes?

- Pensei que eu soltava as cantadas sem graça.

- Te ganhei hoje, aparentemente.

- Hoje eu tenho declarações, cansei das cantadas baratas.

- Algo sobre amor? E eu pensando que poderia simplesmente me jogar do topo de um prédio sem escutar toda essa baboseira. - Levantou fingindo que iria se jogar, mas se conteve por um momento em pé na frente do homem de olhos negros.

- A verdade é que desde que eu te conheci, essa mentira bem elaborada que o mundo gira em horas tem funcionado. No momento em que você jogar, toda essa charada que chamamos de existência vai parar de ter qualquer mínimo sentido para mim. Eu ouvi certa vez uma história de um homem que passou 15 anos fingindo que era cego pela simples noção de não querer magoar sua mulher deformada pela varíola. Sei que parece uma história sem contexto, mas esse é o tipo de esforço que eu me proponho- Ele olhou com esperança e um misto de desespero e ansiedade.

- Você roubou isso de um cartão de dia dos namorados ou um filme?- Ela ria, enquanto disfarçava os olhos com lágrimas.

- Eu só achei que você tinha que entender onde você estava se metendo.

-No que eu estou me metendo?

- Eu vou explicar da melhor maneira possível. Essa é uma metáfora de um dos meus contos favoritos. No mar existem bananas-peixe que nadam para o fundo a procura de bananas, e uma vez no local, eles comem todas as bananas até que não conseguem mais sair do buraco, e simplesmente, morrem.

- O que você quis dizer com isso?

- Eu estou num mar à procura de algo, mas quando chego a esse algo, absorvo tudo com a maior força possível. Quando tento sair do buraco, não me enquadro mais na sociedade, e vou morrendo aos poucos nesse lugar sem saída. Você tem que saber como eu vejo o mundo antes de qualquer coisa.

- Você é um pouco maluco, mas afinal quem disse que eu gosto de você?

- Ninguém- Ele se levantou rapidamente, sem nenhuma noção de momento, e lançou um longo beijo na boca da menina. Logo após, se encaminhou até a porta.

- Você não vai me impedir de me suicidar?

- Eu já impedi.

- Me diz seu nome pelo menos?

- Meu nome é Kratos, Penélope.

Ela voltou para casa, e sem nenhuma explicação, deu um longo abraço no pai como se estivesse com uma nova vontade de viver. Ela começou a ler mais, a participar de tudo que conseguia e se interessava: Aprendeu italiano, sobre o cinema, sobre a filosofia, sobre tudo que lhe parecia minimamente interessante. Após duas semanas sem aparecer, ela resolveu dar uma chance ao homem de nome estranho.

Ela, antes de ir, leu o jornal sobre um súbito decaimento sobre o número de suicídios dentro da sua cidade. Ela realmente pensou que Kratos podia ter arquitetado um plano inteiro. Tolice, um homem nunca poderia mudar as coisas, ainda mais um cínico por natureza. Ela subiu no mesmo velho prédio de cor desgastada, mas ele não se encontrava no prédio. O que se encontrava no prédio era uma menina prestes a se jogar, e um segundo antes dela cair, Penélope a segurou. Enquanto as duas conversavam sobre a vida, ela achou um bilhete de Kratos. No bilhete em letras azuis se encontrava escrito “Sua vez, garota. O trabalho é difícil e não paga, mas é muito interessante. Eu espero que você me ligue no telefone escrito á baixo, e antes que você reclame, você foi a única em anos que me apaixonei, eu não salvo as pessoas com declarações de amor e sim com simples conversas, espero que você entenda esse pobre compositor”.

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