Solidão


Aureliano antes de nascer chorava na barriga sem parar. Sua mãe tinha casado com o primo e sempre teve medo que o menino nascesse com um rabo de porco, mas isso nunca aconteceu. Dor maior seria colocada naquele menino. Antes de nascer ele chorou por um dia inteiro, um choro longo por algo realmente destruidor. Aquele menino não conseguiria amar e passaria o resto dos seus dias na solidão.

Ele nasceu um mês depois desse primeiro choro, com seus olhos altivos observando tudo ele disse sua primeira palavra: Ilha. Os pais não conseguiram entender como aquela criança ao nascer observasse tudo com olhos de gente grande e, além disso, tivesse dito sua primeira palavra. A mãe tinha percebido que aquilo era um sinal que ele tinha tido pior destino do que o simples rabo de porco.

Ele não conseguia amar. Uma minoria das pessoas percebe o quanto isso é aterrador. Ele não conseguia encontrar caminho no mundo que tampasse aquele vácuo, por isso quando ainda na barriga da mãe ele tinha chorado tanto. Ele andava nas ruas, mas nada era seu. O mundo se impressionava com aquele olhar afastado sem saber que ele não tinha nada a perder porque não sentia nada.

Ele não procurava salvação e achava ridículas as pessoas que precisavam descobrir nos outros o que ele só podia ter em si mesmo. Havia uma resignação nata nele, talvez por isso ele fosse uma tremenda pessoa. Ele não pensava muito em si, por saber que de nada adiantaria. Aureliano virou um ótimo policial. No seu primeiro dia nas ruas tomou um tiro pelo seu companheiro que ficou assustado com tamanha coragem e perguntou para ele:

- Porque você se atirou em direção a bala?

- Você tem filhas, uma mulher e uma vida. Eu nunca teria nada disso. Minha vida valia menos que a sua. E um homem sem nada a perder é um homem estupidamente perigoso.

Naquele dia ele ganhou sua primeira medalha de honra, uma entre muitas. Ele depois de tomar o tiro conseguiu render os três assaltantes sem matar nenhum destes. O resultado era incrível, poucas pessoas depois de tomarem um tiro na barriga teriam a força necessária para terminar o trabalho. Seu companheiro se chamava Sam era um policial antigo, gordo, baixinho, careca, olhos claros e um óculos escuros digno de qualquer filme de ação. Aureliano era taciturno, alto, desengonçado, olhos e cabelos negros. Desde aquele dia havia um companheirismo entre os dois que não podia ser descrito. Sam passava dias tentando entender Aureliano e se sentindo grato por ter sobrevivo aquele episodio. Aureliano gostava daquela perda de uma pouco da solidão, mas nunca esqueceu sua sina. Nada era dele.

Aureliano conheceu Valentina. Ela era o oposto de tudo que ele representava, ela encontrava amor a quase toda esquina. Citava muito a frase que todo amor é um tempo fora da loucura. Encontrava sentido e amor em todos. Ela se apaixonou pela maneira insensível que Aureliano se comportava. Num show de roque, ela acabou por beijar ele. Ele não sentindo quase nenhum sentimento cedeu. Foram uma hora ou 20 músicas de beijos. Ela se apaixonou por seus olhos altivos e distantes.

Ela não teve chance, essa insensibilidade a completava de alguma maneira maluca. Ela tentou ligar para ele, mas nada. Ela o visitou no trabalho e em casa, mas ele desapareceu. Valentina nunca entendeu, porém Aureliano só estava protegendo ela dele mesmo. Ele sabia que nunca poderia a amar e ele sabia que sempre dava confusão. Ele não sumiu por ela já que ele não podia sentir nada e sim por pura conveniência. Ela desesperada chorando aos prantos tentou a única coisa que podia chegar até ele, mandou uma música para o computador dele. Assim que ele abriu o computador começou a tocar:

Take a walk outside your mind
Tell me how it feels to be
The one who turns the knife inside of me
Take a look and you will find there's nothing there girl
Yeah I swear,
I'm telling you girl yeah 'cause
There's a hole in my soul that's been killing me forever

Ele tinha nascido chorando, mas nunca mais na sua vida tinha conseguido chorar. Nem aquela música conseguiu superar como um camelo o deserto que era seu coração. Ele começou a andar pela rua sem direçao, ninguém ousava se aproximar por medo daquele estranho que olhava para o céu. Ele encontrou um lugar no parque da cidade, deitou sobre uma arvóre e olhou para as estrelas, talvez a vida sem amor também tivesse sentido.

Aquele dia de outubro era tenebroso, a chuva parecia destruir até as arvores mais resistentes. Os homens não tinham chance. O clima era nolstalgico, escuro, sombrio resumindo era algo solitário digno de qualquer filme de terror. Naquele dia, o mesmo do seu nascimento aconteceu o maior roubo de banco da história de Gothan, sua cidade. Ele e seu parceito Sam eram os unicos nas proximidades então responderam com prontidão o chamado. Sam estava com real medo por saber que algo tão grande teria vários assaltantes e armas. Aureliano como sempre estava totalmente insensivel e parecia somente se divertir com o fato de que dessa vez ele realmente estava em perigo. Aquilo o fazia se sentir vivo. Ele não podia sentir quase nada, mas respaldos de uma emoção viam com a ameaça de morte. Ele gostava mais de desafiar, mas medo em si ele quase não tinha. Um homem sem amor, não tem nada a perder.

Eram nove assaltantes portando pistolas, e só havia dois policiais: Sam e Aureliano. Sam queria planejar, mas Aureliano saiu correndo por saber que existiam refens e que talvez aquilo o fizesse sentir algo. Ele conseguiu entrar no banco sem ser percebido. O lider dos assaltantes José tinha planejado fugir logo após roubar o banco sabendo que só dois policiais estariam na área. Aureliano conseguiu derrubar 3 até que o barulho dos tiros fez os outros perceberem. Ele tomou dois tiros na perna e conseguiu derrubar mais 4. Sam tinha entrado e derrubado um deles com um tiro preciso. Agora só restou José que mirou um tiro exatamente na cabeça de Aureliano que estava deitado no chão sem conseguir se mover. Sam pulou na frente do tiro, vendo isso Aureliano saiu correndo e acertou um tiro justamente onde José tinha mirado nele. Agora Sam sangrada sem parar no chão e Aureliano pela primeira vez em anos chorou, Sam percebendo isso falou poucas palavras:

- Aureliano existe uma grande diferença entre ter obstaculos e não conseguir algo. Voce nunca mais vai desistir, estamos entendidos?

- Você não pode morrer, nós ainda temos lutas a lutar. Nenhum outro companheiro aguentou mais de um mês comigo. Você não pode morrer sabe é injusto, eu deveria ser o que morria. Sam, você é um estupido. O problema parceiro é que te devo uma grande, por isso prometo não desistir de seja lá o que você queira que eu tenha.

Sam morreu. Seu velório foi o mais triste já visto, suas filhas e sua mulher não paravam de chorar por um momento. Aureliano fazia o mesmo que a familia. Qualquer um que não conhecia Sam poderia ter inveja dele. Ele era um pai, um marido e um amigo. E sua falta era sentida todos os dias pelas pessoas que o conheceram. O dificil de se despedir não é se despedir e sim ter que se despedir todos os dias. Qualquer um teria inveja do Sam, porque ele fora amado.

Aureliano cumpriu sua promessa. Aureliano passou o resto da sua vida ajudando a familia de Sam. Nos momentos bons e dificeis ele estava presente. E com o tempo algo mais estava presente dentro de si. Ele procurou Valentina e eles se casaram, e por mais que seja cliche viveram quase infelizes para sempre.

Comentários

  1. Isso tudo é muito profundo,terrível e fantasioso pra mim.
    Um homem sem amor. Eu não sei nem o que dizer..

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