Nihilo


Ele havia acabado de acordar. Tinha perdido o trabalho, namorada e a casa. Ele tinha ganhado no bingo praticamente. Perdeu o trabalho porque desviava dinheiro no escritório. Dinheiro usado em amantes o que nos leva a como ele perdeu a namorada, lembrete aos leitores sempre tranquem bem as portas.

A casa foi perdida por um simples motivo: não queria mais dormir com a dona do apartamento. Então chegamos à conclusão de um verdadeiro Zé, alguém que parou de se importar a muito tempo atrás.

Ele conseguiu um trabalho no zoológico. Cuidar para que animais não saíssem de jaulas eletrificadas parecia fácil. Seu nome era Nihilo. Nihilo era alto, moreno e forte. Tinha o cabelo raspado e barba para ser feita.

Uma bela ruiva com um belo vestido branco com quadrados verdes esperava perto da jaula de leões. Um homem moreno falava longamente com ela. Nihilo como sempre tinha segundas, terceiras e até quartas intenções. Enquanto a filha da mulher cedeu e caiu dentro da jaula e gritava freneticamente:

- Alguém me salve!

A ruiva começou a discutir com Nihilo:

-Alguém chame o segurança!
- Isso mesmo alguém chame o segurança!
- Você não é o segurança?
- Mulher, isso não é hora de distinções capitalistas.
- Vá fazer sua função!
- Não vejo nenhum animal saindo da Jaula.
- Para que? Já tem um fora bem na minha frente.

Ele era um animal, isso ele já sabia com claridade quando não estava bêbado. O problema é que ninguém tinha falado diretamente como fato concreto. Ele sempre achou que tinha uma chance, um chute no escuro.

Ele ainda era cético, ainda achava que a criança morrer ou não era uma questão de estatística. Ele não conseguia entender porque queria salvar a criança. Ela era mais uma pessoa nesse mundo perdido. Nihilo se pegou pensando nas questões grandes, talvez grandes demais. A conclusão chegada é que havia alguma força maior e seja lá o que isso seja talvez fosse um ponto de partido: karma, destino, o nome que você quiser colocar.

Ele olhou para o céu azul como se fosse o último céu azul que ele fosse ver. Nihilo sempre gostava de pensar as formas que as nuvens tomavam. Ele olhou para uma grande em cima do céu e ela parecia uma velha gorda olhando para ele com olhos severos. Do lado da velha havia uma criança brincando e um dragão. Aquelas imagens não faziam sequer sentido.

Num intervalo de minutos tudo era claro, e antes que ele percebesse estava em movimento. A criança ruiva se encontrava em cima de uma rocha e os leões tinham acabado de perceber sua presença. Nihilo pulou sobre a rocha e agarrou a criança que chorava muito nos braços. Levantou com toda sua mínima força a criança e a mãe conseguiu por fim segurar a criança. A mãe chorava mais que a filha, os leões cada vez mais se aproximavam de Nihilo. Ele começou a sorrir e pensar claramente que até ele perdia apostas às vezes. Ele só poderia ter escolhido algo melhor que sua vida para apostar, mas ele imaginou a criança tendo uma vida inteira pela frente.

O enterro foi engraçado, sim usarei esse termo engraçado. Quem na vida teria imaginado que um homem daquela índole poderia ter milhões no enterro. Todos tinham que ver o homem que enfrentou leões por alguém que não conhecia. Atores, escritores e pessoas famosas apareceram no flash das câmeras para apreciar aquele evento. Nihilo teria pensando que na vida as coisas são irônicas demais. Ele, o homem sem escrúpulos, sendo tratado como o herói da cidade. O pior de tudo é que ele fez a ação heróica pensando em ser recompensado por uma força final, mas no final das contas ele tinha que decidir o que quis decidir a vida inteira: ele tentaria fazer algo bom sabendo do possível fracasso ou desistiria de tudo. No final a cinza se torna a mais bela combinação de duas cores ímpares

Uma linda mulher caminhou para o tumulo com passos largos. Ela tinha em volta de um metro e oitenta e um centímetros e estava acompanhado pelo marido. O marido era um homem caucasiano com longos cabelos e olhos castanhos e estava vestido a caráter de diretor de uma grande companhia. A mulher chorava freneticamente enquanto seus cabelos ruivos caiam sobre o rosto. O marido começou a falar:

- Por que toda vez nessa época do ano temos que vir aqui?
- Nós temos e pronto. Você tem que entender tudo que faço?- Disse a mulher com raiva escondida.
- Eu ainda acho que você exagera, porque se apegar a imagem de alguém que você nem conheceu.
- A melhor pergunta é porque alguém se apegou a uma criança que nunca conheceu. Respondeu com prontidão a linda mulher ruiva.
- Eu teria feito o mesmo. Disse o homem pensando como nunca faria algo do tipo.
- Eu sei por isso te amo. A mulher disse pensando como ele nunca faria algo do tipo.
- Vamos, as crianças esperam no carro.
-Vamos.
-Tchau, Nihilo.
-Tchau, Nihilo.

No tumulo de mármore branca estava escrito em palavras rasas “o dia em que um homem não consiga mudar a si mesmo e a vida de outros a redor, será o dia em que a humanidade parará de sonhar”.

Comentários

  1. Lembro de você ter me falado que queria escrever isso.
    E eu agradeço por ter escrito. Muito bom, Trovão :)

    Desculpa demorar tanto pra vir aqui e comentar.. família,filhos, sabe como é.

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