O coração de uma história quebrada.


Romeu era um daqueles milhões de pessoas que existem. Terminado o ensino médio havia se confrontado com uma solidão nunca antes vista, não conseguia encontrar em nada razão de viver. Passava dias e dias entre aquele vácuo imenso que é pensar em sentir.

Romeu por ano na sua universidade via por volta de 12 mil mulheres. Dessas somente sete mil tinham sua idade ou próximo a sua idade. Dessas sete mil somente três mil eram namoráveis. E dessas três mil só 500 eram bonitas. Dessas 500 só 200 mereciam um longe assobio. Dessas 200 somente três tinham personalidade apaixonante.

Naquele dia próximo a quadra, tudo que foi preciso foi uma menina. Uma menina olhando para o céu com um sorriso semi-aberto e Romeu não tinha nenhuma chance de luta. Naquele momento ele sabia que poderia a amar por toda uma vida. Algumas pessoas se apaixonam loucamente, e talvez Romeu fosse uma dessas poucas pessoas. Ao escrever essa história, as coisas não faziam sentido, como ele podia se aproximar, numa boa história de amor o garoto sempre consegue se aproximar da garota.


Julieta estava vestida com um longo vestido branco com quadrados verdes olhando para o céu deitada na grama com um olhar perdido. Seu sorriso era meio-aberto daqueles não inteiros e nem fechados, não havia como ter a mínima chance de luta. Seus grandes olhos negros e seu cabelo até a cintura mostravam como ela sempre fora uma menina amada e procurada pelo mundo. Romeu não sabia como se aproximar, e como aquela agonia de não poder beijá-la o transtornava. Toda aquela solidão que o assombrava desde que tinha entrado na universidade parecia haver sumido, nela havia a razão de viver. Ele não se sentia mais assombrado. Ele não era uma pessoa feliz nem triste, ele só exista. E ela era a resposta para sua incrível falta de sentir. Ele poderia ter chegado próximo a ela e falar:

- Eu te amo incrivelmente e quero casar com você. Que tal sairmos sábado?

Ele teria sido totalmente ignorado e tido como um bobo. Romeu tinha nascido ontem, mas não hoje. Ele também poderia ter crescido sua veia poética e ter começado a versar:

- As pessoas passam a vida a procurar, mas não vão encontrar alguém para olhar, nada há, devemos fabricar a mentira mais linda.

Ela teria o achado totalmente esquisito e provavelmente teria chamado algum amigo para protegê-la desse estranho. O amigo lembrando algum filme do Silvester Stallone ou algo do tipo teria atacado Romeu. E agora o herói da história está apanhando, ele ainda nem a conheceu e já está apanhando. Ele poderia ter sido mais simples na aproximação:


- Oi, meu nome é Romeu. E o seu?

- Julieta.

- Você parece uma estrela daqueles filmes esquecidos como Casablanca.

Silencio Mortal.

- Você não acha?

- Não estou interessada.

É verdade que Romeu não tinha a aparência, nem a simpatia, nem a inteligência, nem qualquer coisa para atrair Julieta á primeira vista. Ele não era o mais bonito, o mais irritante, nem nada demais. Ele era simplesmente o Romeu. O problema é que ele estava apaixonado, algumas pessoas ainda são capazes de tudo por um amor, e Romeu era uma dessas pessoas em extinção. Ele ficou desesperado, e talvez no desespero, ele tivesse roubado o livro de Julieta. Existem pessoas que ainda são assim, que ainda acreditam na possibilidade de uma história romântica e no coração desta.

De novo os homens no canto da quadra poderiam ter se lembrado de algum conto da Disney, e corajosamente tivessem corrido ao socorro da donzela em perigo. E nosso herói shakasperiano se encontra de novo em maus lençóis. O segurança Ricardo robusto e recém contratado poderia ter visto aquela mobilização e derrubado Romeu. Agora Romeu estava no chão e sendo levado para a diretoria da universidade. Ele foi suspenso por dois meses e teve que pagar uma multa e fazer diversos serviços comunitários que ele já fazia. No processo de acusação do roubo, ele descobriu o nome e endereço de Julieta. Tudo que ele precisava agora era uma carta perfeita, ele finalmente tinha uma chance de luta. Essa carta seria mais ou menos assim:

Cara senhoria Julieta,

Eu não sou um simples ladrão nunca roubei na vida nem ao menos tive coragem para machucar uma formiga quanto mais teria para machucá-la te roubando algo. Eu te acho o ser mais lindo que já existiu. Tudo a sua volta sumiu quando te olhei pela primeira vez. Eu queria te conhecer a toda custo e sem saber como, eu roubei sua bolsa. Eu sei que não foi a melhor maneira, mas eu precisava falar com você. Sei que essas breves palavras parecem um parecer de um louco, mas saiba que o amor transforma qualquer um em louco e que espero que um dia entenda essas singelas palavras.

Ela teria mostrado a todas suas amigas, que teriam achado muito divertido e romântico o fato, e ela teria respondido:

Não acredito que você foi capaz de algo assim. Sinto muito pela sua pena, mas ela foi pequena e você ficara livre de tudo em pouco tempo. Tudo de melhor Romeu. A gente se vê em breve.

E ele sendo a pessoa mais feliz imaginável teria respondido:


Você realmente respondeu. Nós poderíamos nos encontrar no serviço comunitário que me deram que é de ensinar para crianças menores que caíram numa vida de crime. É um trabalho incrível Julieta, você vai gostar muito. Espero ansiosamente a próxima carta.

O problema é que não haveria próxima carta. Claro que ela devia por educação responder a primeira carta, mas qualquer um podia ver que o Romeu era um bobo. Um homem talvez um pouco ingênuo e patético. A segunda carta de Julieta nunca seria escrita. Suas amigas concordaram que ela já tinha feito o bastante. Romeu não era o tipo de homem que ela se atraía, ele era comum, um pouco desengonçado e talvez simples demais para ela.

Nesse meio tempo ao tentar conversar com ela, ele foi confundido com um líder de gangue no serviço comunitário. E por mais que ele tentasse dizer que não era o tal sanguinário que tanto falavam, não teve jeito. Dois membros de gangues opostas tentaram uma brincadeira e atiraram no alto para assustá-lo, mas erraram a mira. E ai está o personagem principal morto. Esse é o problema dessas histórias sempre acaba num beco sem saída.


Se ao menos Romeu tivesse escrito essa carta:

Querida Julieta,

Espero que algumas linhas não a incomodem. Eu deveria te explicar que não sou um simples ladrão. Eu roubei sua bolsa porque no momento em que a vi me apaixonei por você. E o único jeito de me aproximar foi um jeito bobo, mas todo apaixonado é um homem bobo.

Eu me apaixonei pelo jeito que o seu sorriso estava perfeitamente meio-aberto, eu não tenho sido feliz desde que entrei na universidade. E nem infeliz, acho que consigo me descrever como uma daqueles milhões de pessoas que simplesmente existe.

Quando eu comecei a faculdade eu pensei que eu seria popular, inteligente, líder, bem vestido e suave. Mas em alguns semestres eu aprendi que eu não seria popular, líder ou qualquer dessas coisas. Eu sou um bom estudante, mas só um bom estudante. Um dia o representante do meu curso faltou e eu tive que liderar por um dia. Foi um completo desastre, ninguém me obedecia, mas para ser justo eu sou um tolo quando tento mandar. Eu acho que sou mais uma desses milhões de pessoas que não foram feitas para dar ordens. A grande coisa é que agora nada disso importa mais.

Amar-te é a coisa mais importante agora. Muita gente diz que o amor é encontros no cinema, companheirismo, casamento, filhos e beijos no final de uma tarde, e talvez seja, Julieta. Mas sabe o que eu acho? O amor é um toque e não é um toque.

Eu sei que é importante para as mulheres ter um cara inteligente, popular, bonito, interessante e bem vestido. Eu não sou nem popular. Eu simplesmente sou o Romeu. Eu não deixo as pessoas irritadas, nem felizes, nem tristes. Quando alguém fala de mim se limita a dizer que sou um cara com um bom coração.

Quando eu era pequeno ninguém dizia que eu era o mais bonito ou o mais engraçadinho. Eu era mencionado como tendo pernas esquisitas e só.

Eu não espero uma resposta Julieta, mesmo sendo a coisa que eu mais desejo no mundo. Se o meu amor profundo me causou uma decepção triste, eu sou o único a ter culpa. O momento em que te vi toda aquela solidão e buscar pelo abismo de sentir pareceu fazer sentido. Eu precisava dizer todo meu amor e se por isso eu me magoar, tomo toda a culpa de bom grado. Um dia certo grande escritor disse que todos seus livros eram sobre a solidão e sinto que até hoje toda carta que escrevi foi sobre a solidão. E essa foi à única carta por algo novo, por algo que vale a pena lutar. O amor.

Talvez um dia você entenda esse pobre admirador.

Romeu.

A resposta teria sido algo do gênero:


Querido senhor Romeu,

Hoje eu ia almoçar com as minhas amigas, mas depois de ler sua carta eu não consegui sair do escritório. Se ao menos você tivesse falado comigo, mas para ser sincera eu provavelmente teria te ignorado

Eu senti que se eu fosse almoçar e encarasse esse dia como normal, eu teria que gritar. Talvez antes eu tivesse ligado para a beleza, popularidade e todas essas coisas tidas como importantes. Na adolescência eu namorei um Orfeu que sabia recitar todos os versos de poemas de trás para frente. Um jogador chamado Henrique que podia acertar um arremesso no final do jogo perdendo por uma cesta e marcado por várias pessoas. O líder de um grêmio estudantil que era conhecido em toda escola. Essa parte louca da minha vida acabou, descobri que existem coisas que são mais significativas.

As pessoas que te desobedeceram no curso e falaram que suas pernas são esquisitas estão na minha lista negra.

Aquele dia eu estava com toda a minha maquiagem e arrumada. Eu gostaria que você me visse por uma segunda vez. Sem a maquiagem, eu não sou nenhuma beleza rara. Gostaria de te encontrar e ajudar a dar a aula no serviço comunitário.

Sinceramente,

Julieta.

Romeu nunca pode conhecer Julieta. Ele continuou andando pela quadra e nunca mais a encontrou. Ele passou horas, dias, meses e até alguns anos pensando em Julieta. Até que um dia ele conheceu Colombina que ocupou um buraco no seu coração deixado por Julieta, e depois de um tempo sarou completamente seu coração quebrado. Julieta naquela noite se apaixonou por um famoso advogado que achava que ela era uma garota tremendamente simpática, mas só isso. É por isso que odeio essas histórias, o garoto sempre tem que conseguir conhecer a garota.

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